«A Excepção e a Regra» - de Bertholt Brecht
Sinopse da peça "A Excepção e a Regra":
A peça trata de uma viagem que um comerciante precisou fazer, pelo deserto, para ganhar uma concorrência numa licitação de petróleo. Para tanto, ele contratou um guia e um carregador - a fim de conduzi-lo até o destino. No meio do caminho, apreensivo em atravessar um deserto com dois homens desconhecidos, ele cria uma situação para demitir o guia, pagando-lhe o serviço até ali. Sozinho com o carregador no deserto, ele submete o empregado a todo o tipo de violência e, como o carregador não conhecia bem o caminho, eles acabaram por se perder, em um momento, no deserto. O funcionário precisava do emprego e por isso aceitava todo o tipo de arbitrariedades. No final, por engano, o comerciante acaba matando o carregador (o rapaz iria lhe dar seu cantil de água, e ele pensou que ele iria matá-lo com uma pedra para ficar com a água que o comerciante ainda tinha).
Na segunda parte, há o julgamento do homicida, que é absolvido, pois o juiz avalia que a regra, num deserto, não é dar a sua última água, mas brigar pela sobrevivência, e que a justiça não pode ser pautada pela exceção.
Beira (Moçambique) - 1965
Do irmão do Zeca, João Afonso dos Santos:
“Havia a tal associação (associação dos antigos estudantes de Coimbra) que resolveu promover as comemorações da Tomada da Bastilha como se estivéssemos em Coimbra. A direção mandou fazer uma réplica da fachada da Sé Velha em cartão ou madeira para montar na praça, onde se faria a sessão comemorativa. No programa incluíram-se fados e guitarradas. Cantaria eu e o meu irmão. Uma peça de Brecht, A excepção e a Regra (…). O doutor da censura resolveu cortar o Brecht (…). Perante isto meu irmão, e depois eu, disse logo: «Se não há Brecht, eu não canto fados.» Isto a uns dias da festa. Ora sem fados não haveria espetáculo (…) de modo que teve que dar o dito por não dito e autorizar a representação da peça. Foi assim que Brecht apareceu pela primeira vez no império colonial. O Zeca musicou, então as canções que vieram a integrar o álbum Coro dos Tribunais.”
Eu Marchava de Dia e de Noite
Canta o Comerciante
Eu marchava de dia e de noite
Mais do que um dia de avanço ganhei
Só o forte tem sorte
Para o fraco é o chicote
Mais que um dia de avanço ganhei
Mais que um dia de avanço ganhei
Só o forte resiste ao combate
Sabe que o coolie que não há outra lei
Ó petroléo da terra
Hei-de ter-te na guerra
Só a morte é que sabe o que eu sei
Só a morte é que sabe o que eu sei
O homem conquista a vitória
Sobre o deserto e o rio também
É ele que se vence
e domina
e alcança
O petroléo que a todos convém
O petroléo que a todos convém
A morte é para o fraco e o combate
É para o forte - foi Deus que mandou
Ao rico uma ajuda e ao pobre uma surra
Foi assim que o planeta girou
Foi assim que o planeta girou
Quem cai já não torna a cair
Deixa-o ficar porque assim está bem
À mesa da fama assentou-se quem mama
É assim porque à gente convém
É assim porque à gente convém
Só os mortos não comem a mesa
E o cozinheiro não se incomodou
E quem fez o patrão também fez o criado
Foi assim que o planeta girou
Foi assim que o planeta girou
Quando tudo te corre a prazer
Vem amigos estender-te a mão
Mas se Deus ou o Diabo
Viram tudo ao contrário
Ninguém vem levantar-te do chão
Ninguém vem levantar-te do chão
Canta o Juiz
Que o teu inimigo queira
Matar-te a sede uma vez
Não penses nisso se és homem
Faz o mesmo que te fez
A regra é dente por dente
Ninguém atende à excepção
Só os loucos não aprendem
Desta verdade a razão
Canta o Coolie (A caminho de Urga)
É para Urga
Que a gente vai
Para Urga caminho
Caminho para lá
Em Urga os bandidos
Não me hão-de apanhar
Eu hei-de vencer
Eu hei-de vencer
Entre mim e a Urga
O Deserto que houver
Em Urga recebo
A maquia e então
Vou tirar proveito
Do meu ganha-pão
Canta o Juiz
Que o teu inimigo queira
Matar-te a sede uma vez
Não penses nisso se és homem
Faz o mesmo que te fez
A regra é dente por dente
Ninguém atende à excepção
Só os loucos não aprendem
Desta verdade a razão
Coro dos Tribunais
Foram-se os bandos dos chacais
Chegou a vez dos tribunais
Vão reunir o bom e o mau ladrão
Para votar sobre um caixão
Quando o inocente se abateu
Inda o morto não morreu
Quando o inocente se abateu
Inda o morto não morreu
A decisão do tribunal
É como a sombra do punhal
Vamos matar o justo que ali jaz
Para quem julga tanto faz
Já que o punhal não mata bem
A lei matemos também
Já que o punhal não mata bem
A lei matemos também
Soa o clarim soa o tambor
O morto já não sente a dor
Quando o deserto nada tem a dar
Vêm as águias almoçar
O tribunal dá de comer
Venham assassinos ver
O tribunal dá de comer
Venham assassinos ver
Se o criminoso se escondeu
Nada de novo aconteceu
A recompensa ao punho que matou
Uma fortuna a quem roubou
Guarda o teu roubo guarda-o bem
Dentro de um papel a lei
in «Zeca Afonso – Livra-te do Medo - de José A. Salvador – Porto Editora»; «Cantar de novo – José Afonso – Nova Realidade.»; «José Afonso – de José Niza – Movieplay Portuguesa.»
Foto: Ensaio da peça
Sinopse da peça "A Excepção e a Regra":
A peça trata de uma viagem que um comerciante precisou fazer, pelo deserto, para ganhar uma concorrência numa licitação de petróleo. Para tanto, ele contratou um guia e um carregador - a fim de conduzi-lo até o destino. No meio do caminho, apreensivo em atravessar um deserto com dois homens desconhecidos, ele cria uma situação para demitir o guia, pagando-lhe o serviço até ali. Sozinho com o carregador no deserto, ele submete o empregado a todo o tipo de violência e, como o carregador não conhecia bem o caminho, eles acabaram por se perder, em um momento, no deserto. O funcionário precisava do emprego e por isso aceitava todo o tipo de arbitrariedades. No final, por engano, o comerciante acaba matando o carregador (o rapaz iria lhe dar seu cantil de água, e ele pensou que ele iria matá-lo com uma pedra para ficar com a água que o comerciante ainda tinha).
Na segunda parte, há o julgamento do homicida, que é absolvido, pois o juiz avalia que a regra, num deserto, não é dar a sua última água, mas brigar pela sobrevivência, e que a justiça não pode ser pautada pela exceção.
Beira (Moçambique) - 1965
Do irmão do Zeca, João Afonso dos Santos:
“Havia a tal associação (associação dos antigos estudantes de Coimbra) que resolveu promover as comemorações da Tomada da Bastilha como se estivéssemos em Coimbra. A direção mandou fazer uma réplica da fachada da Sé Velha em cartão ou madeira para montar na praça, onde se faria a sessão comemorativa. No programa incluíram-se fados e guitarradas. Cantaria eu e o meu irmão. Uma peça de Brecht, A excepção e a Regra (…). O doutor da censura resolveu cortar o Brecht (…). Perante isto meu irmão, e depois eu, disse logo: «Se não há Brecht, eu não canto fados.» Isto a uns dias da festa. Ora sem fados não haveria espetáculo (…) de modo que teve que dar o dito por não dito e autorizar a representação da peça. Foi assim que Brecht apareceu pela primeira vez no império colonial. O Zeca musicou, então as canções que vieram a integrar o álbum Coro dos Tribunais.”
Eu Marchava de Dia e de Noite
Canta o Comerciante
Eu marchava de dia e de noite
Mais do que um dia de avanço ganhei
Só o forte tem sorte
Para o fraco é o chicote
Mais que um dia de avanço ganhei
Mais que um dia de avanço ganhei
Só o forte resiste ao combate
Sabe que o coolie que não há outra lei
Ó petroléo da terra
Hei-de ter-te na guerra
Só a morte é que sabe o que eu sei
Só a morte é que sabe o que eu sei
O homem conquista a vitória
Sobre o deserto e o rio também
É ele que se vence
e domina
e alcança
O petroléo que a todos convém
O petroléo que a todos convém
A morte é para o fraco e o combate
É para o forte - foi Deus que mandou
Ao rico uma ajuda e ao pobre uma surra
Foi assim que o planeta girou
Foi assim que o planeta girou
Quem cai já não torna a cair
Deixa-o ficar porque assim está bem
À mesa da fama assentou-se quem mama
É assim porque à gente convém
É assim porque à gente convém
Só os mortos não comem a mesa
E o cozinheiro não se incomodou
E quem fez o patrão também fez o criado
Foi assim que o planeta girou
Foi assim que o planeta girou
Quando tudo te corre a prazer
Vem amigos estender-te a mão
Mas se Deus ou o Diabo
Viram tudo ao contrário
Ninguém vem levantar-te do chão
Ninguém vem levantar-te do chão
Canta o Juiz
Que o teu inimigo queira
Matar-te a sede uma vez
Não penses nisso se és homem
Faz o mesmo que te fez
A regra é dente por dente
Ninguém atende à excepção
Só os loucos não aprendem
Desta verdade a razão
Canta o Coolie (A caminho de Urga)
É para Urga
Que a gente vai
Para Urga caminho
Caminho para lá
Em Urga os bandidos
Não me hão-de apanhar
Eu hei-de vencer
Eu hei-de vencer
Entre mim e a Urga
O Deserto que houver
Em Urga recebo
A maquia e então
Vou tirar proveito
Do meu ganha-pão
Canta o Juiz
Que o teu inimigo queira
Matar-te a sede uma vez
Não penses nisso se és homem
Faz o mesmo que te fez
A regra é dente por dente
Ninguém atende à excepção
Só os loucos não aprendem
Desta verdade a razão
Coro dos Tribunais
Foram-se os bandos dos chacais
Chegou a vez dos tribunais
Vão reunir o bom e o mau ladrão
Para votar sobre um caixão
Quando o inocente se abateu
Inda o morto não morreu
Quando o inocente se abateu
Inda o morto não morreu
A decisão do tribunal
É como a sombra do punhal
Vamos matar o justo que ali jaz
Para quem julga tanto faz
Já que o punhal não mata bem
A lei matemos também
Já que o punhal não mata bem
A lei matemos também
Soa o clarim soa o tambor
O morto já não sente a dor
Quando o deserto nada tem a dar
Vêm as águias almoçar
O tribunal dá de comer
Venham assassinos ver
O tribunal dá de comer
Venham assassinos ver
Se o criminoso se escondeu
Nada de novo aconteceu
A recompensa ao punho que matou
Uma fortuna a quem roubou
Guarda o teu roubo guarda-o bem
Dentro de um papel a lei
in «Zeca Afonso – Livra-te do Medo - de José A. Salvador – Porto Editora»; «Cantar de novo – José Afonso – Nova Realidade.»; «José Afonso – de José Niza – Movieplay Portuguesa.»
Foto: Ensaio da peça
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