terça-feira, 24 de novembro de 2020

Pagamento

De Rui Pato

José Afonso, a dificuldade que sempre teve em lidar com dinheiro, os escrúpulos em ter um miúdo, filho de um grande amigo, a quem teria de pagar pelos acompanhamentos nos discos (retirando esse pagamento do seu próprio cachê)... e os 3500$00 que, para mim eram uma fortuna!

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Zeca Metafísico

Excerto da entrevista de Francisco Fanhais - Fazemos da saudade e da memória do Zeca Afonso uma arma.

«Há uma outra dimensão que pouca gente refere. Era um homem com preocupações metafísicas. A sua tese, inclusive, foi sobre Jean-Paul Sartre: “Implicações substancialistas na filosofia sartriana”. Era alguém que pensava para além dos acontecimentos e que refletia. Um dia disse-me: “Sanfras”, que era como me tratava, “se os meus amigos marxistas soubessem que eu leio São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila, Santo Agostinho, o que iriam pensar de mim?”.

Há uma reflexão pessoal que faço, nunca cheguei a falar com ele sobre isto, sobre uma das razões pelas quais ele era amigo de padres. O Zeca teve uma educação religiosa o mais tradicional e o mais traumática possível. Imagino que, a certa altura no seu percurso de vida, encontrando padres que vinham da linha do Concílio Vaticano II e que denunciavam a opressão, o fascismo e a guerra colonial, sentiu-se próximo dessas pessoas. Porque sentiu que, se calhar, viviam um cristianismo oposto àquele que ele tinha vivido e que lhe tinham incutido. E, inteligente como era, compreendeu as nossas razões, que eram, por um lado, denunciar a hipocrisia da Igreja, e, por outro, denunciar a cumplicidade perfeita entre a Igreja e o Estado. Porque a Igreja era o mais forte apoio moral da ditadura. Portanto, encontrar pessoas vindas da igreja que se empenhavam nesta denúncia era estimulante.

Lembro-me que o então prior de Palmela, o António Correia, que ainda é um grande amigo meu, deu a chave da sua casa paroquial ao José Afonso para este a utilizar, e ele ia lá principalmente nos momentos em que corria o risco de ser preso. O Zeca tinha muito em consideração quem queria viver num cristianismo a sério. Eu sentia que ele tinha preocupações de ordem espiritual, no sentido mais amplo da aceção da palavra, e que tinha admiração por aqueles que dentro da Igreja lutavam pela sua transformação.».

Esquerda-22 de Fevereiro, 2017

Zeca e Fanhais nos anos 80
Colaboração de Beatriz

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Viriato Teles

Viriato Teles – Jornalista e escritor. Escreveu “As Voltas de um Andarilho - Fragmentos da vida e obra de José Afonso”, considerada uma das principais obras biográficas sobre o Zeca Afonso.

“Para os amigos – e para todos os que, de um modo ou de outro, o conheceram e conviveram com ele – José Afonso continua a ser o Zeca, bem mais homem do que mito. Bem-humorado, corajoso, hipocondríaco, despistado, consequente mesmo quando contraditório, intransigente nos princípios, dialogante nos meios e nos fins, sempre luminoso. José Afonso, o Zeca, foi mesmo isto tudo, e ainda mais. E, como explicava recentemente Luanda Cozetti num programa de rádio, cada um dos amigos dele pôde ir construindo o seu próprio Zeca, a partir das vivências particulares, e pode tê-lo hoje sempre por perto.

O meu Zeca é, assim, tão idêntico e tão único como o Zeca de Luanda ou o dos que partilharam com ele o palco e as lutas clandestinas. Mesmo se as lembranças que ficaram em quem com ele conviveram são frequentemente distintas e só pontualmente têm a ver com o artista: os episódios que mais rapidamente lembramos revelam quase sempre o cidadão, o militante da liberdade, o homem inquieto. Imperfeito, com certeza, como é próprio dos homens, e por isso mesmo consciente de que o mundo só muda se o obrigarmos a mudar. Coerente com esta convicção, Zeca fez a parte dele”.

Viriato Teles, 22 de Fevereiro 2017

Zeca Afonso, Fernando Assis Pacheco e Viriato Teles. Janeiro de 1983. Foto de Joaquim Bizarro.
Colaboração de Beatriz