Excerto da entrevista de Francisco Fanhais - Fazemos da saudade e da memória do Zeca Afonso uma arma.
«Há uma outra dimensão que pouca gente refere. Era um homem com preocupações metafísicas. A sua tese, inclusive, foi sobre Jean-Paul Sartre: “Implicações substancialistas na filosofia sartriana”. Era alguém que pensava para além dos acontecimentos e que refletia. Um dia disse-me: “Sanfras”, que era como me tratava, “se os meus amigos marxistas soubessem que eu leio São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila, Santo Agostinho, o que iriam pensar de mim?”.
Há uma reflexão pessoal que faço, nunca cheguei a falar com ele sobre isto, sobre uma das razões pelas quais ele era amigo de padres. O Zeca teve uma educação religiosa o mais tradicional e o mais traumática possível. Imagino que, a certa altura no seu percurso de vida, encontrando padres que vinham da linha do Concílio Vaticano II e que denunciavam a opressão, o fascismo e a guerra colonial, sentiu-se próximo dessas pessoas. Porque sentiu que, se calhar, viviam um cristianismo oposto àquele que ele tinha vivido e que lhe tinham incutido. E, inteligente como era, compreendeu as nossas razões, que eram, por um lado, denunciar a hipocrisia da Igreja, e, por outro, denunciar a cumplicidade perfeita entre a Igreja e o Estado. Porque a Igreja era o mais forte apoio moral da ditadura. Portanto, encontrar pessoas vindas da igreja que se empenhavam nesta denúncia era estimulante.
Lembro-me que o então prior de Palmela, o António Correia, que ainda é um grande amigo meu, deu a chave da sua casa paroquial ao José Afonso para este a utilizar, e ele ia lá principalmente nos momentos em que corria o risco de ser preso. O Zeca tinha muito em consideração quem queria viver num cristianismo a sério. Eu sentia que ele tinha preocupações de ordem espiritual, no sentido mais amplo da aceção da palavra, e que tinha admiração por aqueles que dentro da Igreja lutavam pela sua transformação.».
Esquerda-22 de Fevereiro, 2017
Zeca e Fanhais nos anos 80
Colaboração de Beatriz
As coisas que eu aprendo consigo, Mário Lima!
ResponderEliminarAbre aço!