sexta-feira, 29 de novembro de 2019

MENINAS DA PIDE

MENINAS DA PIDE em 1968, todos os motivos servem para destituir uma voz incómoda

“É importante dizer que a presença de José Afonso marca a cidade mas a cidade também marca José Afonso. Quando chega a Setúbal, em 1967, estabelece uma rede de sociabilidades muito diversas e passados poucos meses faz o seu primeiro espectáculo como homem das canções no Clube de Campismo”

in Lugares de José Afonso na Geografia de Setúbal, de Albérico Afonso Costa

sábado, 16 de novembro de 2019

Fórum Lisboa - Tributo a Rui Pato

CONCERTO/TRIBUTO A RUI PATO
FÓRUM LISBOA 16NOV2019 - 17H00

A Associação José Afonso organizou em 16 de Novembro, pelas 17h, no Fórum Lisboa, um Concerto/Tributo a Rui Pato, com a presença do Grupo "Raízes de Coimbra", António Ataíde, João Afonso e Francisco Fanhais.

Folha de sala - textos Mário Lima

RUI PATO

Rui de Melo Pato nasceu em Coimbra, a 5 de Junho de 1946, e licenciou-se em Medicina (especialidade de Pneumologia), em 22 de Julho de 1972.

Foi membro da Tuna Académica, do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra e do GEFAC.
Começou a tocar viola quando ainda frequentava o liceu, juntamente com José Tito Mackay e Francisco Martins, em casa de António Portugal. Rui Pato acompanhou praticamente todos os cantores que por Coimbra passaram nos anos 60 e 70 e, ainda, guitarristas como António Brojo, António Portugal, Francisco Martins, Octávio Sérgio, António Ralha, Manuel Borralho, António Andias e outros.

Rui Pato, para além de imensas digressões artísticas com organismos académicos em Portugal e no estrangeiro para além de inúmeros espetáculos e atuações na rádio e na televisão, é também detentor de uma larguíssima e importante discografia.

Das inúmeras gravações em que participou destacam-se as que realizou com José Afonso (1962-1969), Adriano Correia de Oliveira (1963-1970), José Manuel dos Santos (1965/1966), Germano Rocha (1966), António Bernardino (1966), António Brojo e António Portugal (1967), e Francisco Martins (1986-1996). De salientar dois EP’s a solo – 1964 – “Rui Pato Interpreta a viola José Afonso” e “Ilha Nua” – 1965.

Para além de diversos arranjos que fez para José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, Rui Pato compôs também alguns temas musicais para espetáculos do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, entre 1968 e 1970. Foi militante do Movimento Associativo da Academia e, em 1969, fez parte da lista do Conselho de Repúblicas que concorreu às eleições desse ano. Ano, aliás, conturbado pela greve académica, que daria uma grande machadada no regime salazarista. Quando se preparava para ir com José Afonso a Londres para a gravação de “Traz outro amigo também”, a PIDE recusou-lhe a autorização para sair do país e o Zeca teve de o substituir por Carlos Correia (Bóris).

O primeiro EP a solo de Rui Pato (1964) – ‘Rui Pato interpreta em viola José Afonso’, inclui entre outros, os temas como “Vampiros” e “Menino do Bairro Negro”. Sobre este disco e sobre Rui Pato, escreveu José Afonso o seguinte:

«Estas canções, ditas e executadas pela viola de Rui Pato, pretendem restituir-vos a esse clima inicial de silêncio a que a sua sensibilidade, pouco afeita aos rirmos trepidantes da guitarra elétrica, se foi de há muito habituando. Por delicadeza das suas interpretações, valorizadas por uma acertada combinação de acordes, oscilando em cadências sempre variadas num processo de construção melódica que incessantemente se renova – esses solos constituem uma experiência que, creio eu, agora se inicia no nosso panorama musical.»

«Há que realçar também o trabalho que ninguém realça, que é o trabalho do Rui Pato que era um guitarrista excecional, e creio que ajudou muito a música de Zeca Afonso naquela altura.»

Luís Cília

Rui Pato, então com 16 anos, começa em 1962, a acompanhar José Afonso, o que o fez durante sete anos e sete discos, num total de 48 títulos.

Em 1963, Rui Pato começa a acompanhar à viola um outro grande vulto da nossa canção, Adriano Correia de Oliveira. Tal como acontecera com José Afonso, a parceria durou sete anos, sete discos, num total de 40 títulos.

Em entrevista concedida em Fevereiro de 1992, à revista Medite, Rui Pato historia a sua atividade musical:
(...) Iniciei me como a maioria dos miúdos, por volta dos 10 anos, começando a tocar música ligeira da altura, nos anos 50. Uma vez, no amigo liceu D. João III, eu e uns amigos decidimos, a pretexto das festas do liceu, formar um grupo de fados, tínhamos doze ou treze anos, e o António Portugal, ao ouvirmos tocar, dois à viola e dois à guitarra, fez de nós um grupo, que por piada ficou conhecido como Portugal dos Pequeninos.»

(...) O Zeca já tinha feito a sua passagem por Coimbra, havia acabado o curso, já tinha gravado discos, essencialmente de fado, esboçava já canções de outro tipo, com temática, ritmo e harmonia diferentes, e até no acompanhamento começa a privilegiar a viola… Quando, em 59 ou 60, o Zeca Afonso veio a Coimbra para gravar um disco e cantou algumas músicas para os amigos, que as acharam um pouco estranhas. O Zeca Afonso era um indivíduo com fama de ser um bocado bizarro mas espantaram-se por ele começar a tocar sem guitarra, só com viola. O seu objetivo era mudar qualquer coisa. Além dos temas e da poesia, achava que também podia meter um acompanhamento diferente, com a viola a ter um papel preponderante. Tinha I5 ou 16 anos quando gravei o primeiro disco, num convento perto de Ceira, velho, quase a cair. Provavelmente ninguém sabe, mas foi ai que foram gravados os primeiros discos do Zeca Afonso, num claustro comprido e velho.»

"Teve uma actividade clinica intensa, foi Pneumologista, Intensivista, director de serviço, director clínico e presidiu ao CA do centro hospitalar de coimbra durante 4 anos. Após a aposentação foi agraciado pelo Ministério da Saúde com a medalha de ouro pelos serviços prestados em prol do SNS"

Hoje, Rui Pato, continua a participar em espetáculos, acompanhando outros cantores e fazendo parte do Grupo "Raízes de Coimbra".


João Afonso

... o João Afonso que, é para mim, a representação do meu saudoso Zeca...
Rui Pato

«Nasci em Moçambique, em 1965, onde vivi uma infância cheia de música, cheiros quentes, estrelas brilhantes e muita liberdade.

Os dias felizes inspiram a minha música e os dias menos felizes também.»

Filho de Mariazinha, irmã de Zeca Afonso, permaneceu em Moçambique até 1978, com os seus pais e irmãos.
Colheu influências da música urbana africana e da música popular portuguesa, esta última pela influência de Zeca Afonso. Entre 1987 e 1995, participou, acompanhado por seu irmão António Afonso e pelo músico Sérgio Mestre, em inúmeras homenagens a Zeca Afonso, na sequência do vasto movimento de evocação da obra deste nome-maior da música portuguesa. A sua colaboração em Maio Maduro Maio (1994), em parceria com José Mário Branco e Amélia Muge, apresentado, pela primeira vez, em Dezembro de 1994, num espectáculo no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, o qual foi editado num CD duplo, em 1995, valeu-lhe a atribuição do Prémio José Afonso, instituído e patrocinado pela Câmara Municipal da Amadora. Nessa altura, foi clara a sua opção pela música, tendo abandonado definitivamente a Faculdade de Agronomia de Lisboa, onde frequentava o 4º ano do curso de Agronomia Tropical. O seu sucesso estendeu-se a outros países, tendo dado origem a edições em França (Verve/Polygram, 1998) e em Espanha (Resistencia, 1998).
Com uma voz ímpar na música da lusofonia, João Afonso possui um estilo distintivo, marcado pela inovação e pela riqueza das suas composições.

O primeiro trabalho em nome próprio surgiu em 1997 (“Missangas”), e fez jus ao título de Melhor Voz Masculina Nacional, distinção do jornal Blitz e, desde então, construiu um coral de canções que leva para palco sempre na companhia de excelentes músicos. Nas suas propostas integram-se concertos mais intimistas e cheios de cumplicidades e espectáculos mais festivos, com histórias musicais de múltiplas sonoridades. Seguiram-se a Missangas, Barco Voador (1999), Zanzibar(2002) e Outra Vida (2006), neste último, já com a direcção musical e arranjos de João Lucas. Com ele ao piano, estruturou Um Redondo Vocábulo(2009), apenas com canções de Zeca Afonso. Em 2014 edita "Sangue Bom" Músicas de sua autoria de poemas de Mia Couto e de José Eduardo Agualusa.

A ligação à Galiza e a Espanha é muito marcada, desde o início da carreira de João Afonso. Além da participação regular em espectáculos e festivais, colabora, habitualmente com Uxía e Luís Pastor, dois cantores muito acarinhados pelo público espanhol. Paz de Santiago, um poema de Luís Pastor musicado por João Afonso (Por el Mar de mi Mano – Luís Pastor, 1998), e Aqui em baixo (Azul) (Danza das Áreas, Uxía, Virgin Records España, 2000) são alguns exemplos.
De salientar a sua participação no espectáculo de solidariedade realizado no início de 2003, em Santiago de Compostela, no âmbito do movimento Nunca Mais, plataforma criada para ajudar a enfrentar a tragédia ecológica e humana provocada na Galiza, pelo derrame de petróleo do navio Prestige.

Em 2012 participa no Teatre de la Ville numa homenagem a José Afonso ao lado de Mayra Andrade, Júlio Pereira e António Zambujo. Em 2017 integra o projeto “O Sul de José Afonso e o Barco do Diabo ” com Rogério Pires, Luís Galrito, Paulo Pires e João Espada, que corre o país com a obra de canções feitas a sul por José Afonso. No mesmo ano participa, como convidado, de Patxi Andion, nos seus concertos em Portugal.

Em 2018 colabora e grava um novo trabalho discográfico da obra de José Afonso, a par de José Medeiros, Filipa Pais, David Zacaria e Maria Anadon. Também em 2018, participa com um tema, “Anda daí”, no Festival da Canção.
Ao longo destes últimos anos com Rogério Cardoso Pires constitui um projeto e concerto intimista intitulado “Buganvília”, a duas vozes e duas guitarras.

Neste momento prepara entre outros projetos um novo trabalho conceptual inteiramente de sua autoria.


Grupo “Raízes de Coimbra”

O Grupo “Raízes de Coimbra” foi criado em 2005, utilizando o subtítulo do LP Guitarra Portuguesa, gravado por Octávio Sérgio em 1981. Para além da personalidade jurídica e musical, este Grupo (bem como, anteriormente alguns dos seus actuais membros) têm participado nos concertos da AATUC, com eles se deslocando a múltiplos pontos do País (incluindo as Regiões Autónomas), à Austrália e ao Luxemburgo.

O Grupo de Guitarra e Canção de Coimbra "Raízes de Coimbra" interpreta um vasto reportório de temática coimbrã desde o reportório das décadas de ouro dos anos 20 e 50, passando pelas Trovas e Baladas, destacando-se pela experiência e virtuosismo dos elementos que o compõe.
Também conhecido como Grupo de Fados da Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra (AATUC), nasceu no seio da associação e com ela tem vindo a divulgar os valores histórico-culturais e tradicionais de Coimbra.
A formação é constituída por Octávio Sérgio, Paulo Alexandre (guitarra portuguesa), Rui Pato, Armando Luís de Carvalho Homem, Humberto Matias (viola de acompanhamento), Heitor Lopes e Mário Rovira (cantores).
Todos os elementos têm proveniências e percursos musicais e artísticos diversos, mas Octávio Sérgio e Rui Pato são considerados como fazendo parte da segunda geração de ouro do fado de Coimbra, a qual inclui a transição e renovação estética coimbrã.


António Ataíde

"... o meu amigo António Ataíde tinha que ir porque foi ele que me tirou da hibernação musical ao fim de 37 anos de médico do SNS"
Rui Pato

António Ataíde nasceu em Aveiro no dia 6 de Maio de 1968. Bisneto de açoreanos, António Ataíde, para além do fado de Coimbra, também envereda pela balada, tendo como sua maior referência José Afonso. Com 10 anos de idade já entoava algumas das canções do seu ídolo (José Afonso) e é sem dúvida daqui que lhe surgem as actuais influências e registos na sua forma de cantar e interpretar. O Becas, como lhe chamam carinhosamente, é uma das vozes que quando canta continua a prestar homenagem a todos os que cantaram e sentiram Coimbra na sua passagem e percurso.

Frequentou o conservatório entre 1996 e 1999 e participou nas gravações do CD e DVD do “Quinteto de Coimbra”, grupo de qual fez parte integrante durante 17 anos. Iniciou a sua carreira de fado pela mão de grandes nomes como António Portugal e António Brojo, sendo presentemente acompanhado com frequência por outro nome incontornável da Balada de Coimbra, Rui Pato (viola de José Afonso e de Adriano Correia de Oliveira).

Sobre o fado ou canção de Coimbra, diz Ataíde: «É uma canção terna, nostálgica, de amor. Mexe com os meus sentimentos»

Organizou durante a Expo98, a semana do fado de Coimbra. Em Junho de 2010 actuou nas festas da cidade de Lisboa, ao lado de Luiz Goes e Fernando Machado Soares, sendo considerado uma das vozes mais marcantes, da canção de Coimbra na atualidade.

Em 2016 lançou um novo trabalho discográfico - Impuro, com o seu novo projecto “António Ataíde e os impuros”.

António Ataíde é o 'culpado' de Rui Pato ter voltado às baladas. Ao cantar acompanhado por ele, Ataíde realizou um sonho “secreto” de criança, pois desde muito cedo ouvia o seu ídolo acompanhado pela guitarra mágica de Rui Pato.

Quando Rui Pato se reformou em 2010, Ataíde fez-lhe uma proposta via facebook, de voltar a tocar as baladas que ele tinha feito com o Zeca ao que Rui respondeu: "Você tem muito melhores músicos do que eu, para fazer isso”. Ataíde insiste «mas você foi a pessoa, para quê fazer isto sem a pessoa interveniente» e assim começaram a ensaiar com regularidade seguindo-se vários concertos.



Francisco Fanhais


… Fanhais , um grande amigo, um companheiro de cantigas e de muitas recordações.
Rui Pato

Francisco Fanhais nasceu a 17 de maio de 1941, na Praia do Ribatejo. Aos 10 anos frequenta os Seminários de Santarém e Almada e concluiu o Curso Teológico no Seminário dos Olivais em 1964, tendo sido ordenado padre no ano seguinte. Diria a Eduardo Raposo que «ser padre foi uma consequência lógica duma série de opções que humanamente já antes tinha tomado».
Professor da disciplina de Moral no Barreiro, integra-se no grupo «não-organizado» dos católicos progressistas». A PIDE entendia que havia uma manobra concertada no sentido de subverter a juventude na Margem Sul e, entre outras pessoas, um grupo de padres contestatários que exerciam a sua ação nessa margem sul.

Francisco Fanhais é alvo da pressão da Igreja por ter participado no casamento do seu amigo padre José da Felicidade. Tenta a Igreja de braço dado com a ditadura, calar uma voz incómoda, voz que era contra a guerra colonial, a censura, a falta de liberdade e a miséria do povo.
Participa no programa de Televisão ”Zip-Zip” por intermédio de Zeca Afonso (Fanhais conhecera José Afonso nas Grutas das Lapas (Torres Novas) em 28 de Dezembro de 1968 quando ali participaram num concerto), e grava o seu primeiro disco intitulado ”Cantilenas”.
Em 1970, grava ”Canções da Cidade Nova” com uma dedicatória de José Afonso: «Tu que cantas defronte de faces atentas e seguras, faz do teu canto uma funda. Nesse lugar, entre outras mãos mais fortes e mais duras, te estenderei a minha mão fraterna. Canta amigo!». Esta obra agitou as mentes mais conservadoras na altura da sua edição e que trouxe alguns dissabores ao autor. Tal como acontecera com José Afonso, também ele foi impedido de lecionar e inclusive de exercer o sacerdócio (nesta altura ainda assinava como Padre Fanhais). ”Cantata de Paz”, com letra de Sophia e o famoso refrão ”Vemos, Ouvimos e Lemos, Não Podemos Ignorar”, torna-se um dos hinos de resistência ao regime derrubado em Abril de 74.

Em 1971, Fanhais parte para França. Faz teatro na Companhia de Richard Démarcy e participa em 1973 nos festivais de Avignon e Liège. Torna-se militante da LUAR e só regressa a Portugal após o 25 de Abril de 1974.

Em 1975 colabora nas campanhas de dinamização cultural do MFA, juntamente com José Afonso e outros cantores e participa na gravação do disco ”República”, gravado ao vivo em Itália.
São os passos de Fanhais, Bóris, José Mário Branco e Zeca, que se ouvem no tema “Grândola, Vila Morena”, registado em Outubro de 1971 nos Strawberry Studios na localidade de Herouville, em França. Abraçados como os camponeses, gravam três ou quatro minutos dos seus passos na gravilha, num movimento circular. No dia seguinte, os mesmos quatro gravam as vozes que ficariam para história da música portuguesa e da Revolução de Abril.

Participa no último concerto de Zeca Afonso em Lisboa em 1983.
Em 1984 vai viver para Alvito, e dedica-se ao ensino de Educação Musical em escolas oficiais.

Em 1993 regressa ao palco para, conjuntamente com Manuel e Pedro Barroso, apresentar o espetáculo ” Encontro”, efetuados em Portugal e em França. Participou em colóquios sobre a cultura portuguesa na Universidade de Lille, com Manuel Alegre e João de Melo.

É agraciado em 10 de junho de 1995 pelo então Presidente da República Mário Soares, com o grau de oficial da Ordem da Liberdade.
Continua a cantar, sempre que solicitado, em vários locais, nas festas do 25 de abril e nas homenagens a José Afonso.

Presidente da AJA (Associação José Afonso) mantém a lucidez que o compromete com os ideais de Abril.

Francisco Fanhais, um «profeta da liberdade e da paz» como o define Eduardo Raposo, sente e ainda acredita num país mais justo, num ‘Corpo Renascido’, através do sangue do seu sangue, no corpo dos seus netos.


Vídeo de Abertura



Vídeo do Tributo