José Jorge Letria
"Em Abril de 1973, eu e José Afonso cantámos no dia de abertura do Congresso da Oposição Democrática em Aveiro. Estavam lá milhares de pessoas que cantaram connosco. O que faltava em condições técnicas sobrava em calor humano e em fraternidade. No dia seguinte, abateu-se uma feroz repressão sobre os participantes quando iam em romagem até à campa de um resistente chamado Mário Sacramento, médico e escritor falecido em 1969.
Muitas dessas pessoas iam a cantar canções que nós interpretámos na véspera. Depois vieram os polícias, os cães-polícias e fizeram dezenas de feridos e de detenções. E nós tínhamos orgulho pelo facto de podermos viver momentos como esses, sentindo já no ar o aroma de um Abril que estava quase a chegar."
in Zeca Afonso e a Malta das Cantigas
MEMÓRIAS DO ZECA
Natércia Pedroso
(...) lembro-me principalmente, no dia da manifestação quando da realização do III Congresso da Oposição Democrática, em Abril de 1973, logo que a policia de choque carregou com a habitual brutalidade, por acaso eu ia nas primeiras filas de gente e tropecei, durante instantes que me pareceram uma eternidade fiquei estatelada no meio do chão sem me conseguir levantar e a sentir os pés, sapatos e botas de toda a gente a passarem por cima de mim,e de repente alguém me agarrou e me levantou em braços e pôs-me de pé! era o Zeca que viu o que se passava, voltou atrás e me ajudou dizendo: corre moça corre! claro que foi o que fiz, mas mais uns metros corridos fui apanhada e levei a maior carga de pancada que alguma vez apanhei,recordo olhar olhos nos olhos para o brutamontes do policia e pensar "se este gajo me volta a bater vou cair de novo fico aqui", senti-me como uma raposa a fugir dos caçadores, lá consegui correr mais e refugiei-me num café que já estava cheio de manifestantes ou feridos ou em estado de choque. Pouco depois, com os ânimos já um pouco mais calmos lá nos dirigimos para o teatro onde se realizava o Congresso.
Nunca cheguei a agradecer convenientemente ao Zeca, mas nunca esqueci nem nunca esquecerei o seu gesto. Era um grande poeta, um grande trovador, um artista no verdadeiro sentido da palavra, um grande homem, simples e humilde. Por tudo isso, Obrigada Zeca!
Daqui:
http://istonaoestaaqui.blogspot.pt/2012_02_01_archive.html
Vídeo desse congresso e a carga policial (música de Zeca Afonso).
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