José Niza desempenha na Orfeu, na qual era responsável pela produção discográfica, um importante papel nas relações com a censura, negociando a entrada de determinados temas nos álbuns, como refere o próprio:
“Arrisquei e apostei numa estratégia que funcionou quase a 100% e que assentava na avaliação que então fazia da relação entre o “gato” e o “rato” (…)
Apercebi-me de que havia alguma margem de manobra e que era preciso aproveitá-la.
Dou um exemplo: em 1972, quando o Zeca Afonso e eu preparávamos a gravação do disco “Eu Vou Ser Como a Toupeira”, pedi-lhe que me desse não só os poemas que pretendia cantar, mas também outros mais violentos e explícitos. Estes poemas excedentários serviriam de isco provocatório da ira dos lápis azuis dos censores e eram mesmo para serem cortados.
Eu sabia - ou julgava saber – que o regime não queria silenciar totalmente o Zeca, queria apenas controlá-lo. Tal como tinha acontecido com o Zip-Zip. É que silenciar completamente o Zeca, o Adriano, o Manuel Freire, o Fanhais e outros criaria um efeito de boomerang que iria virar-se contra o regime e inverteria as lógicas dos custos-benefícios. O truque funcionou: quando as letras foram devolvidas, das canções que queríamos gravar, só A Morte Saiu à Rua vinha cortada.
Mesmo assim, não me conformei. Telefonei ao Dr. Pedro Feytor Pinto, então director geral de Informação, que eu conhecia desde os tempos de Coimbra e da Tuna Académica, onde ele fora contemporâneo do Zeca. Almoçámos.
Ele sabia que a canção descrevia o assassínio, pela PIDE, do pintor comunista Dias Coelho, embora o nome não fosse referido no poema do Zeca. E eu dizia-lhe: «Mas quem é que sabe quem era o Dias Coelho? Onde é que está o problema?» Quando chegámos ao café, A Morte Saiu à Rua estava autorizada!”
"A Morte Saiu à Rua" por Rui Veloso
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