segunda-feira, 31 de julho de 2017

Arnaldo Trindade

descreve-o como...

«um pouco snob intelectualmente. Não era uma pessoa simples, embora soubesse ser simples» Era um leitor compulsivo «Era um tipo muito, muito lido, que tinha os García Marquez antes de serem traduzidos (...) tinha consciência do que estava a acontecer no mundo, do Maio de 68 francês ao Vietname, passando pelas lutas sociais nos EUA e pelas revoluções comunistas por esse mundo fora. Estava a par de tudo»

Pelo que os discos foram-se tornando «mais politizados» mas também «mais literários». «Naquela altura, devido ao regime, ele tinha de encontrar metáforas para o que queria dizer. Muita da beleza daquelas canções reside nessa subjetividade»

daqui:

http://blitz.sapo.pt/principal/update/2017-02-23-Jose-Afonso-morreu-ha-30-anos.-E-ainda-ha-um-mito-para-derrubar

sábado, 29 de julho de 2017

Zeca Afonso e a Revolução


"Tudo isso era, em parte, o fascismo, o inimigo comum que nós tínhamos. Eu sou do tempo em que os polícias andavam pelos jardins a ver quais eram os parzinhos enlaçados para lhes dar pedirem a identificação e os levarem para a prisão.

É importante que os putos novos saibam que o fascismo não era só um sistema político, mas que era também um modo de vida que nos envenenava a todos e que conspurcava aquilo que existia de mais caro, mais imediato e mais sincero em todos nós...

E esse tipo de permissividade que, apesar de tudo, se vive hoje e a naturalidade com que actualmente se encaram coisas que eram consideradas grandes pecados, são resultantes do 25 de Abril. O simples facto de um tipo se estender em cima de uma relva não era permitido... "

Zeca Afonso

daqui:

http://aja.pt/ficheiros/zecaescola/Didacticadeunidade.pdf

sexta-feira, 28 de julho de 2017

“O Zeca Afonso é a referência... "

“O Zeca Afonso é a referência principal da minha vida”

“O José Afonso é a referência principal da minha vida, com muita alegria e orgulho. Penso que toda a gente da minha geração, que esteve desperta para os valores da solidariedade, teve, e tem ainda, o Zeca Afonso como referência. Ele foi como que um mestre para a minha geração! É certo que alguns andaram afastados do Zeca – andaram distraídos! -, e, hoje, isso também acontece.

Devo muito ao Zeca Afonso. E a minha geração, que hoje vive estes valores humanos; estes valores de solidariedade; que combate o neoliberalismo; estas políticas assassinas e desgraçadas… ainda tem por referência, e vive, o espírito do Zeca Afonso. Eu canto o Zeca Afonso porque acho que ele enriqueceu a minha geração.”

“Conheci-o pessoalmente e cheguei a tocar com ele. O Zeca Afonso era um homem muito acessível. Cantei só uma vez com ele, em Friume, Vila Real. Ele como que mal sabia tocar e cantar, fazia-me sentir igual a ele! Isso, hoje, até me faz rir. O Zeca Afonso era um homem extraordinário…

“Homem culto, extraordinário. E isso faz-nos falta hoje!”

daqui:

http://etcetaljornal.pt/j/2013/10/jose-silva-a-ideia-que-quero-fazer-passar-do-zeca-afonso-e-a-de-um-homem-culto-militante-solidario-e-nao-a-de-um-distraido-como-distraidos-andam-os-portugueses/

foto: Zeca em Coimbra, tendo o Mondego e a cidade como "pano" de fundo.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

"e o mar é tão grande"

"Distraído, como sempre, José Afonso foi embater num pescador, que estava no areal remendar as redes", contou Alice Brito (aluna de Zeca), adiantando que nunca mais se esqueceu da resposta dada pelo pescador: "e o mar é tão grande"

Zeca teve sempre grande predileção pelo mar. Pelo mar "navegou" nas mãos de um velho missionário, o "homem das barbas brancas", quando tinha 3 anos. Das viagens pelo Atlântico e pelo Índico, das férias que passava com o irmão e o tio Filomeno, na Figueira da Foz, dos poemas que cantou, da poesia que pelos seus dedos escorria.

"Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar...

Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo"

O mar pode ser grande, mas imensidão do mar é tão e mais pequena, que a sua voz que atravessou todos os mares e navegou por todos os sete continentes.

"Zeca, com aquela elasticidade física de que a natureza o dotara, imitava os entendidos, dando grandes saltos para as ondas e não menos e grandes e ritmadas braçadas..." (1)

(1) - Um Olhar Fraterno de João Afonso dos Santos

foto: Zeca e o irmão João, com o tio Filomeno.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

«Joguei um ou dois anos futebol...»

«Joguei um ou dois anos futebol nos juniores da Académica»

Aproveitava um pouco a Mocidade Portuguesa para fazer umas jogatanas de «fotebol qu'induca e fado qu'instrói». Ia ali para o campo de Santa Cruz jogar umas boladas. (...)

Formávamos equipas várias interturmas e, no meio de grandes sarrafadas, fazíamos aí futeboladas, que se prolongavam...

Um belo dia joguei na Académica, apesar de não ter grandes condições físicas, o próprio Esteves que foi meu professor... dizia-me «Oh Cerqueira, não jogue».

Zeca acabou por jogar a extremo-direito mas jogava pouco pois, como refere, só aguentava vinte minutos.

Anos mais tarde iria dedicar-se ao judo: - Fui mesmo um viciado no judo e até parti uma perna em dois sítios.

foto: Zeca a jogar à bola com José Jorge Letria.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Manuel Freire

"A maior herança do Zeca tem a ver com o aspeto musical.

Porque o exemplo dele como cidadão chega a pouca gente, já a sua música chega a muita gente. Foi um criador genial, um homem que compôs coisas fantásticas, fez coisas lindíssimas. Algumas a pender para o surrealismo, umas com muita graça. E é essa a herança, digamos assim, principal hoje em dia, ligada também à sua postura enquanto cidadão, procurando sempre uma situação mais justa para si e para aqueles que o rodeavam. Mas é na parte musical que a coisa se estende a mais pessoas.

O Zeca era um homem normal, cheio de dúvidas e de falhas, mas era uma pessoa da qual eu guardo uma recordação, como amigo, muito terna e muito grata. Mas nada o colocava para ser logo identificado como um ser absolutamente excecional. Era um fulano normal que era um grande intérprete e um grande criador."

daqui:

http://www.esquerda.net/dossier/o-que-aprendi-de-mais-importante-com-o-zeca-tem-ver-com-uma-postura-em-relacao-ao-mundo

segunda-feira, 24 de julho de 2017

O "Tosse Tosse"

"O barquito era o catalisador dessa subversão do quotidiano. À noite o António Barahona trazia os remos e as redes para o quarto. O nosso quarto ficava no rés-do-chão, de tal modo que o Zeca entrava pela janela que dava para a rua. Entre os pescadores, o barco era alcunhado por "Tosse, Tosse", uma referência erótica às nossas viagens e noitadas pela ria de Faro. Para além disso, eu era a única mulher que ia no barco ao lado do António Barahona, do António Bronze, do Zeca e do Pité."

«Era (Pité) o grande amigo e companheiro do Zeca Afonso. Hostilizado pela sua cidade, fechado, foi aluno do Zeca, com quem vagueava pelas ruas de Faro até altas horas da noite. O Zé Afonso era um tipo completamente despistado, um tipo distraído ao máximo, a quem estava sempre a acontecer coisas inimagináveis. Às vezes, ele e o Pité afastavam-se, iam provavelmente fazer nudismo. Um dia, o Zeca vinha com as cuecas molhadas que trazia na mão. Entrou desse modo na sala de aula enquanto poisou as cuecas em cima de uma secretária». (1)

"E juntos vivemos situações interessantes a partir do tal ciclo do barco do "Tosse, Tosse", o "barco do diabo", que um amigo nosso pintou como se fosse um bergantim. (...)

Nesse "barco do diabo" fazíamos viagens fantásticas ou fantasmas. Umas vezes, eu e o Pité através da ria, outras vezes o Pité e o Barahona, outras vezes eu, o Pité, o Barahona e também a Luiza Neto Jorge." (2)

(1) - Luiza Neto Jorge
(2) - Zeca Afonso

fonte: "Livra-te do Medo" de José A. Salvador

sexta-feira, 21 de julho de 2017

João Carlos Callixto - investigador


"Faz todo o sentido falar em herdeiros da música do Zeca Afonso. Acho que é mesmo impossível não falar, ao pensar na música portuguesa das últimas duas décadas e meia. Portanto, praticamente desde a morte dele"

"é impossível pensar em Deolinda, Diabo na Cruz e Criatura sem pensar na obra do Zeca Afonso". "São projetos que têm este espírito que o Zeca Afonso tinha de mistura de várias referências, de preocupação com as letras. De, a nível musical, não se fechar dentro de uma gavetinha"

"O Zeca acabou por se transformar num nome que cruza públicos, cruza repertórios e que não se fecha de maneira nenhuma dentro do âmbito das ditas canções de intervenção ou dos repertórios dos cantautores"

"Por isso é que se diz tantas vezes que estas novas gerações do hip-hop se reclamam um bocadinho do legado da canção de intervenção. Não quer dizer que para o hip-hop seja a única coisa que importa do trabalho do Zeca"

"essa também é a riqueza do Zeca Afonso, dar-se para tantos géneros musicais". "É um dos maiores génios da música portuguesa do século XX, isso é indiscutível"

daqui:

http://www.cmjornal.pt/cultura/detalhe/zeca-afonso-um-artista-que-deixou-sementes-para-as-geracoes-seguintes

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Homenagem - 27 de janeiro de 1984 - Braga

Missiva de Zeca Afonso lida por Francisco Fanhais num espetáculo em sua homenagem, que teve lugar no dia 27 de janeiro de 1984 em Braga.

"...Esta festa não pode ser só uma homenagem a um homem, seria bem pouco! Tem que ser, também, um encontro de pessoas que recusam a anestesia que o sistema nos quer impingir e sobretudo um apelo à juventude para que mantenha sempre um espírito crítico e uma atitude de esclarecida resistência face aos valores que a sociedade capitalista nos pretende impor. E se é certo que a situação actual não é a mesma de antes do 25 de Abril, importa manter a capacidade de indignação e sermos capazes de rejeitar a hipocrisia dos detentores do poder.

Encontrando-me actualmente numa fase de pouca actividade física reafirmo a disposição de me deslocar, mais tarde, a Braga, onde espero reencontrar os amigos e dialogar e conviver com os jovens e com todos aqueles por quem a justiça e a fraternidade são a razão da sua luta.

Obrigado companheiros, um abraço do Zeca".


quarta-feira, 19 de julho de 2017

José Jorge Letria

“Existia entre mim e o Zeca Afonso uma verdadeira fraternidade que me marcou para a vida.

Um dia íamos no carro conduzido pela Zélia, mulher do Zeca, a caminho de Santiago de Compostela. Já perto da fronteira norte de Portugal, abrimos a mala do carro e descobrimos que transportávamos alguns milhares de panfletos denunciando as condições em que se verificara o assassinato de Amílcar Cabral. Se nos apanhassem com eles, seríamos logo detidos.

O Zeca era mesmo assim: distraído, combativo, corajoso e sempre imprevisível. Mas era ele! E era imensa nossa amizade e a nossa admiração por ele."

daqui:

http://alumni.letras.ulisboa.pt/

sexta-feira, 14 de julho de 2017

O Zeca era um gajo muito bom

"Era um gajo muito bom. Era farol mas também era regaço, era riso mas também era profundidade intelectual. Era o Zeca, pá! (...) era um indivíduo que, para além de extremamente inteligente, era extremamente humilde e de uma grande coragem física e intelectual. E, às vezes, a coragem intelectual é bem mais difícil de sustentar do que a física.

O Zeca era um gajo de uma dádiva total, solidário como ninguém, humilde, capaz de encontrar nas pessoas mais humildes coragem e capacidade de luta que o galvanizavam também a ele. (...) O Zeca era um homem comprometidíssimo com a luta pela liberdade, ia a todas.

Da maneira como se dava na totalidade, participava em tudo e não cuidava de si. Cantava em condições precárias, não tinha tempo para comer, não comia decentemente... "

Carlos Guerreiro in "Esquerda.net"

foto:

Zeca Afonso, em 1980, no espetáculo do 4º aniversário da Cooperativa Nascente, Espinho, com Julio Pereira​, Henrique Tabot​ e Guilherme Inês​.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Zeca - O homem comprometido

«Eu sempre disse que a música é comprometida quando o músico, como cidadão, é um homem comprometido. Não é o produto saído do cantor que define esse compromisso, mas o conjunto de circunstâncias que o envolvem com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta»

Semanário Se7e - 27 de novembro de 1985 - Viriato Teles

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Prémio Casa da Imprensa

Zeca recebeu este prémio em três anos seguidos 1969-1970-1971.

1969 - "Contos Velhos Rumos Novo"

1970 - "Traz Outro Amigo Também"

1971 - "Cantigas do Maio" (considerado o melhor disco de José Afonso)

Nesta foto, Zeca Afonso recebe das mãos da jornalista Manuela de Azevedo (faleceu este ano com 105 anos), o prémio da Casa da Imprensa de 1971, num espectáculo realizado no Teatro de São Luís.



Entrevistado para o 'Noticias da Amadora' por José Freire Antunes


quinta-feira, 6 de julho de 2017

quarta-feira, 5 de julho de 2017

A canção é uma arma

A canção, tornou-se numa arma como diz o cantor e, a partir dos anos 60, partilhou fraternalmente o grito alegre e intenso de revolta contra o colonialismo e contra as ditaduras que mancharam a História de Portugal e Brasil.

Coimbra, cidade da Universidade e dos estudantes, onde reinava o fado e a balada, revelou-se um dos berços da canção política.

Já nos anos 30 e 40 o neo-realismo tinha reunido na cidade um número notável de poetas de grande fôlego, alguns dos quais, como Luís Bettencourt, levaram a poesia às vozes do fados e das baladas, unindo as duas grandes expressões culturais coimbrãs que são a canção e a poesia.

A partir do fado e da balada, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e outros, vão juntar às toadas tradicionais letras e poemas claramente politizados, especialmente bem recebidos pelos estudantes que começavam a sentir na pele a pressão de uma guerra injusta para a qual a ditadura os empurrava sem piedade.

A canção junta pessoas e vozes. A canção fala e faz falar. Grita. Entra nas Universidades, em muitas igrejas e espaços paroquiais, em clubes operários. A canção é perseguida e proibida. Autores como Zeca Afonso ou Chico Buarque de Holanda são presos inúmeras vezes.

Presos devido às palavras a arder que nos traziam. Presos pela dignidade com que resistiam. Presos pela palavra que insistiam em espalhar.

Adriano cantava os poetas. Em primeiro lugar Manuel Alegre, e outros depois como Manuel da Fonseca, António Gedeão, Raúl de Carvalho e muitos mais. O Zeca cantou menos os poetas mas também o fez desde Luís de Camões, Jorge de Sena, Luís Pignatelli, António Quadros, Ary dos Santos, Fernando Pessoa ou António Aleixo.

Além dos poetas, Zeca escreveu muitas das letras que cantava. Mas também recolheu toadas, melodias e letras da tradição popular das Beiras, do Alentejo, dos Açores, pondo muitas vezes em destaque o seu profundo apelo à liberdade.

Zeca Afonso tomou ainda para si a influência da música africana criando canções que de alguma forma uniram as lutas de um e outro lado do Oceano, tornando claro que a luta dos africanos e dos portugueses era a mesma.

E pode dizer-se sem perigo de demagogia que essas canções também contribuem para o traçado do espaço da lusofonia.

Daqui:

http://jornalcultura.sapo.ao/dialogo-intercultural/na-ponta-do-pe-na-boca-do-povo