Declarações de Voto dos partidos com assento na Assembleia da República, no dia 26 de fevereiro de 1987, pela morte de José Afonso.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associando-nos ao voto de pesar pela morte de José Afonso, começarei por citar o poeta:
[...] O mito é, na maior parte das vezes, uma pista errada porque fundada mais na imaginação das pessoas do que nas contingências falíveis da acção humana individual ou colectiva. É preferível que o próprio objecto do mito desfaça serenamente o equívoco que lhe deu origem para que ele mesmo não se convença de um mérito que por justiça efectivamente nunca lhe devia ter pertencido.
[...] Só nos sentimos úteis quando somos solicitados e isso compensa-nos de muitas frustrações que o mito esquece quando nos simplifica, reduz ou exalta.
José Afonso não é um mito e recusou sê-lo. Não seremos nós a contribuir para a sua mitificação.
Mas foi. É e será um nome essencial na cultura portuguesa.
Como compositor, autor e intérprete distinguiu-se como um dos maiores valores contemporâneos da música popular portuguesa.
Escreveu versos simples e curtos, de fácil apreensão, mas nem por isso desprovidos de qualidade e da eficácia que os justificavam. Versos que harmonizou e equilibrou notavelmente com a sua música, a obra musical de José Afonso representa uma relação profunda e íntima com o homem e a realidade concreta que o circundava.
A tudo isto juntava um dom excepcional: uma voz única, límpida, vibrante e profunda.
A resultante era uma unidade quase perfeita no género musical que adoptou: palavras e música quanto bastavam, nem a mais, nem a menos; depois aquela voz; finalmente, como consequência necessária, um poder e uma força comunicativa extremamente fortes.
Porque politicamente nos separava um abismo, estamos particularmente à vontade para lembrar José Afonso, também no que transcende a sua carreira como músico.
Homem do povo, de costas voltadas para o poder e rejeitando o carreirismo, distinguiu-se pela sua simplicidade e desprendimento pelos valores materiais, mas também pela coragem e frontalidade com que assumiu uma luta com as armas de que dispunha e que melhor do que ninguém sabia utilizar.
Na luta desenvolvida, designadamente pela minha geração no mundo académico, contra o totalitarismo e o obscurantismo, José Afonso teve um papel relevante na sensibilização e mobilização das mentalidades.
E teve talvez a suprema distinção da sua carreira quando uma criação sua foi escolhida para detonar o movimento militar que desencadeou a Revolução de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, para terminar estas simples palavras em homenagem ao homem, ao músico e ao poeta, permitam-me que vos leia um pequeno excerto do poema de José Afonso Jesus no Horto:
Homem viagem da democracia.
Homem península vítima da hora.
Cobrem-lhe a pele os Ciclos Vespertinos.
E a morte ronda quando não demora.
Aplausos gerais.
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