sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Zeca Afonso - Pedro Barroso

Zeca Afonso

(Aveiro, 2/8/1929 — Setúbal, 23/2/1987)

Foste-me um companheiro, um amigo, um exemplo, um poeta, um músico invulgar; quase diria um vulcão que tive o imenso privilégio de encontrar na vida.

Um homem tutelar e simples; bondoso e sempre pronto, solidário e sem peneiras, desempenado e grácil, interessado e generoso. Entusiasta e activo, independente e vertical. Naquele dia no Coliseu, na tua despedida ajudei a vestir aquele pullover azul, e disseste-me:

"-É pá, tou cheio de medo o Xico é maluco; eu nao vou conseguir cantar aquilo tudo. Se me pudesses dar metade do teu boieiro..."
Nunca mais ouvi ninguém usar tal expressão para designar a força de pulmão, ou, enfim, a voz sonora e atirada, suponho eu.
Sai do camarim, onde te deixei c a Zélia, dando-te um abraço. E no fim do concerto, desculpa, não tive coragem; não subi ao palco, como alguns q nada te eram, nem se sabe pq raio, em alguns casos, foram ali exibir-se.

Nao fui, porque nao consegui. Era-me sofrer demais. Fiquei pregado na cadeira da plateia, a chorar convulsivamente, em memoria previsivel de um passamento anunciado. Era a despedida de um companheiro, um mestre, uma figura maior da minha vida.
Depois ainda fui ao Eligeme a Madrid, com o Zé Mario, salvo erro, onde era preciso irmos actuar às 2ª feiras, para trazer umas massas para tomares a tal injecção em q tanto acreditavas e, ao q parece vinha da Holanda e era caríssima. Cantávamos-te por lá onde todos te estimavam e contribuíam.

Fui a Azeitão ver-te uma ultima vez e quiseste assinar para mim a capa do Galinhas, mas ja quase nao conseguias escrever. Doía ver-te. Chiça.

Tanta estrada, tantos dias e noites; e palcos e viagens e histórias.

Tanta vontade q tiveste de unir um povo; e tanta coragem sempre em denunciar o q desejavas e nao vias acontecer, por cupidez, interesse e promiscuidades várias. Q Coragem imensa te vi ter, sem nunca a exibires por bravata, mas como emblema de natural prontidão e probidade!

Contigo aprendi q o músico, lá por cantar umas coisas em cima dum palco, é um ser humano como os outros; nunca a vedeta de pechisbeque dourado q tantos julgam ser.

Por tudo, tanto, imenso q me ensinaste, em anos de convívio e exemplo, obrigado Zeca.

Até um dia destes. Um dia voltaremos a tocar juntos como tantas vezes o fizemos.

Sem comentários:

Enviar um comentário