segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Quinta das Torres - Vila Nogueira de Azeitão

Local onde foi gravado o videoclipe 'Saudades de Coimbra' com Octávio Sérgio e Durval Moreirinhas para a RTP em 1981.


Foi há 35 anos. Ainda lá está, para além da fonte, o lago e o banco de jardim onde foram tiradas as fotos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

«A SUPERSTIÇÃO DE AMÉRICO TOMÁS»

(ou, "Encontro Imprevisto com Zeca Afonso)
---- in "CONTOS & NARRATIVOS DO INSÓLITO"
(...)
O empregado apagara algumas luzes. Aos fundos, na semiobscuridade, dois clientes e duas canecas de cerveja. Sentei-me num tamboril, ao balcão. Desses fundos, interpelaram:
--- Já não se fala aos amigos, pá!
Era o Zeca Afonso. Eu abalara de Coimbra, 1955. Anos mais tarde, encontrara o Zeca em S. Marçal, próximo às instalações da EN, Serviço Ultramarino. A notícia, Salazar caíu da cadeira, assunto entre sílabas: «Os proselitismos, canga a amochá-lo». Agora, no “Paquito”. Levantou-se. Sorriso esplendente, como sempre. O sorriso de há vinte anos:
--- Que fazes, pá? --- Tirara os óculos. Demos um abraço.
--- E tu?
--- Troco as voltas à PIDE, em semiclandestinidades, ---respondeu, melancólico e suave, um dos traços mais vincados da sua sociabilidade inata.
Três dias antes do 1º de Maio, a PIDE montava discreto resguardo aos metros quadrados da permilagem da sua residência, em Setúbal. Um dos agentes chincava a aldraba:
--- Um autógrafo, senhor doutor.
Para a filha. Amiga ou amante. Para a mulher, que a calidez da voz nas “Serenatas de Coimbra”, enraizada em romantismos, a cada mergulho feminino ao ego e às memórias, esplendia à tona:
--- O doutor sabe! --- mas, tão-só, a certificarem que estava em casa e não se pisgaria por clarabóia e telhados, como nas demais vezes. Ai dele! Nem alma, nem memórias de fados e cantares, coiro a apodrecer de vez em Caxias, se lhe aproveitariam.

Respondi:
--- Ultimo a montagem de um equipamento de tradução simultânea. Um Simpósio a inaugurar pelo Américo Tomás, na Gulbenkian.
Zeca Afonso largou uma gargalhada. A de sempre, em momentos de chalaça ou eclosão política:
--- Cuida-te com o champanhe, pá!
--- Ainda te lembras?

(...)

Peguei, então, uma garrafa de champanhe pelo gargalo (deve ter sido o único barco navio (“Capitão José Vilarinho”), até aos hojes, benzido duas vezes e baptizado com duas garrafadas de champanhe) a filha do Tomás a avisar: «Parecem de ferro, força!» e, de um golpe, estilhacei-a no anteparo do palanque. O champanhe derramou-se, salpicou as fímbrias arcebispais, molhou as botinhas rouge, alagoou parte do palanque, Gertrudes aos gritinhos e, por buraco na sola da bota, encharcou-me o coturno: a cada passada, chloque, chloque, os chloques eram motivo ao Américo Tomás, que coçava o nariz. O Neves, em surdina, caçoou: «Bebes champanhe pelos pés, heim!»

(...)

À noite, na gravação “Serenata de Coimbra” a incluir na grelha de programas, mensalmente, o Brojo e o António Portugal no naipe de guitarras e violas, contei o acontecido ao Zeca Afonso, que mangou:
--- Eh, pá! Além de ajudares a dar de comer a um milhão de portugueses, até no buraco da bota és discípulo de Salazar, pá!

(...)

Quisera conversar, de novo, com o Zeca: falarmos da eternidade do pavio e das superstições do Tomás. Mas só o encontrei no último refluxo: o da sua morte, funeral a que o Cavaco Silva, então Primeiro-Ministro, não só não se dignou, como proibiu ministros e secretários de Estado de se dignarem: ateísta e comunista, não é digno!

Ah! Zeca! Os meus olhos aguados, alimentei-os com a poesia dúctil, concreta e ácera dos teus cantares, e alimentá-los-ei até aos ocasos na curvatura da esperança.

Afonso Henriques Ferreira

Daqui:

https://www.facebook.com/afonso.ferreira.9231/posts/334823846678065?__mref=message_bubble


O Livro


sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Entre o Porto e Coimbra

O Zeca Afonso que eu conheci

"Vivíamos nós, por essa altura, numa espécie de república, um vasto espaço de três quartos, uma sala e uma cozinha, num terceiro andar no Campo dos Mártires da Pátria (n.º 135), sob a vigilância aflita mas benevolente de uma velhinha, a Sr.ª D. Aninhas. Eram sete os habitantes regulares desses aposentos, mas alturas havia em que o número de comensais chegava a duplicar. (...) um dos frequentadores desse lar aberto era o Zeca. Sempre que as deslocações da Tuna ou do Orfeão Académico de Coimbra, os seus afazeres pessoais ou qualquer decisão repentista, disparada pela sua irrequietude sentimental, o traziam ao norte, lá o tínhamos connosco, com toda a fantasia do seu ser poético e a rebeldia do seu idealismo descomprometido.

Uma das vezes (em vésperas das férias grandes de 1958), a sessão artística da Tuna ia ser no Rivoli. O Zeca apareceu, como de costume e por uma das razões de sempre. Tinha vindo «à boleia», ia cantar, estava à futrica e tinha umas horas para pôr a conversa em dia. Comeu connosco, cantarolou os fados que tencionava interpretar nessa noite — e que o Costa Leite e eu acompanhámos à guitarra —, enfiou a minha capa e batina, completando, assim, o ritual e lá descemos os dois a Rua dos Clérigos, a caminho do Teatro. Ao passarmos em frente da Igreja dos Congregados, num súbito arrebatamento, parou, fitou-me com o ar concentrado que a testa franzida denunciava — era assim sempre que falava a sério — e atirou-me a seguinte proposta: «— Oh pá (ele usava esta abreviatura quando ela era ainda erudita), tu tocas guitarra, eu toco viola e cantamos ambos. Vamos os dois fazer férias por essa Europa fora, como artistas vadios?» Sorri, creio que candidamente, para quebrar com ternura o ímpeto do seu entusiasmo.

Na verdade, não era fácil recusar tão espontânea, sincera e amiga sugestão; mas a minha vocação de aventura tinha asas mais curtas e, além disso, tinha duas cadeiras do meu quinto ano para fazer em Outubro; e as férias iam ser pequenas para pôr o estudo em dia. Sanado este breve desencontro, retomamos a marcha rumo ao Rivoli.

Serafim Guimarães

daqui:

http://www.prof2000.pt/users/secjeste/recortes/musica/zecaafon01.htm

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Zeca em Coimbra

"O liceu é a dois passos... (...). Há lá uma ladeira e ao cimo da ladeira era a casa da tia Avrilete, um segundo andar. O ambiente era muito conservador: mulheres de escapulário ao pescoço. Proibições... Por baixo vivia uma outra família e por baixo ainda era a mercearia do Sr. Santos".

"Quando havia trovoada a minha tia dizia o magnificat com voz de sibila, aliás, as três mulheres, (...) diziam todas as três o magnificat em três pontos diferentes da sala, cada uma no seu tom".

"(...) tanto ia aos 'Cágados' onde comia ovos à uma da manhã, como passava pelos 'Galifões' ou pelos 'Corsários das Ilhas'. Os 'Cágados' ficavam perto da minha casa, quando vivia no Beco da Carqueja. A parte de trás dava mesmo para o Quebra Costas e para o Gil, (...). Também conheci muita malta da 'Prá-quis-tão' e tive um convívio bastante estreito com os tipos do ´Palácio da Loucura'. De um modo geral convivi com a 'Ai-Ó-Linda' e dava-me muito com o Lobão dos 'Corsários das Ilhas', (...)"

"Uma das que mais frequentou juntamente com o Adriano, foi a Republica do "Bota Abaixo" (Inicialmente estiveram instalados na Rua do Borralho, depois foram transferidos, precisamente por causa das demolições na Alta, para a Rua de S. Salvador nº 6, onde ainda actualmente estão instalados).

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Zeca Afonso em Coimbra

«Em Coimbra as coisas mudavam lentamente. Novas remessas de estudantes, menos pitorescos mas mais conscientes do que os do meu tempo, mais devotados aos problemas que fatalmente surgiam num meio sufocado por tradição, as mais das vezes inútil, intentam, à semelhança do que já outras gerações haviam feito, romper declaradamente com o bafio, pôr de parte a quinquilharia passadista do velho romantismo do «Penedo», realizar ao nível associativo uma modernização da vida académica dentro dos limites a que os forçava o estreito meio geográfico em que viviam.»

(...)

«Nalgumas andanças por Lisboa tomei esporádico contacto com outros meios estudantis. Rapazes novos, dinâmicos, combativos, de pés bem assentes na terra, com os quais, embora de uma forma efémera, muito me foi dado a aprender. Ganhei amizades, rejuvenesci e sobretudo senti na carne a urgência de alguns problemas que até então mal tinham afectado a minha maneira de ser.

Numa disposição de espírito muito diferente da que me levara a procurar fora de Coimbra uma largueza de horizontes que a cidade me negara, renovei um pouco o meu conhecimento dos homens e dos lugares.»

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

OS ÍNDIOS DA MEIA-PRAIA II

Os Índios da Meia-Praia

Letra completa deste tema, escrita por José Afonso para o filme "Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia" de António da Cunha Teles (1976).

Índios da Meia-Praia * (quadras do filme)

I
Aldeia da Meia-Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço
II
De Monte-Gordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha a ré
III
Houve até quem estendesse
A mão à mãe caridade
Para comprar um bilhete
De passagem prá cidade
IV
Oh mar que tanto forcejas
Pescador de peixe ingrato
Trabalhaste noite e dia
Para ganhares um pataco
V
Quem dera que a gente tenha
De Agostinha a valentia
Para alimentar a sanha
De esganar a burguesia
VI
Diz o amigo no aperto
Pouco ganho, muita léria
Hei-de fazer uma casa
Feita de pau e de pedra
VII
Oito mil horas contadas
Laboraram sem dinheiro (no disco; "Laboraram A PRECEITO)
Até que veio o primeiro
Documento autenticado
VIII
Veio um cheque pelo correio
E alguns pedreiros amigos
Disse o pescador consigo
Só quem trabalha é honrado
IX
Adeus disse a Monte-Gordo
(Nada o prende ao mal passado)
Mas nada o prende ao presente
Se só ele é o enganado
X
Foram "ficando ficando"
Quando um dia um cidadão
Não sei nem como nem quando
Veio à baila a habitação
XI
Mas quem tem calos no rabo
- E isto não é segredo -
É sempre desconfiado
Põe-se atrás do arvoredo

(repete VII - VIII)

XII
Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
XIII
Uma cabana de colmo
E viva a comunidade
Quando a gente está unida
Tudo se faz de vontade
XIII
Tudo se faz de vontade
Mas não chega a nossa voz
Só do mar tem o proveito
Quem se aproveita de nós
XIV
Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te mudo
Chupam-te até ao tutano
Levam-te o couro cab'ludo

(repete V - VI)

XV
Vender a praia ao turista
Para jogar na roleta
Vestir a casaca preta
Do malfrão** capitalista
XVI
Foi sempre a tua figura
Tubarão de mil aparas
Deixas tudo à dependura
Quando na presa reparas
XVII
Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
XVIII
Mas não por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história
E o povo saiu à rua
XIX
Mandadores de alta finança
Fazem tudo andar p'ra trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz
XX
Eram mulheres e crianças
Cada um c'o seu tijolo
"Isto aqui era uma orquestra"
Quem diz o contrário é tolo
XXI
E toca de papelada
No vaivém dos ministérios
Mas hão-de fugir aos berros
Inda a banda vai na estrada
XXII
E toda a gente interessada
Colaborou a preceito
- Vamos trabalhar a eito
Dizia a rapaziada
XXIII
Não basta pregar um prego
Para ter um bairro novo
Só "unidos venceremos"
Reza um ditado do Povo

(repete XX)

XXIII
E se a má-língua não cessa
Eu daqui vivo não saia
Pois nada abala a nobreza (no disco ABALA passa a APAGA)
Dos índios da Meia-Praia

(a letra do filme termina aqui)

III ***
Quando os teus olhos tropeçam
No voo duma gaivota
Em vez de peixe vê peças
De ouro caindo na lota

Quadras no disco (está por ordem de entrada)

I - II -III*** - XII - XIV - V - IX - VII - XX - XXIII - XVI - XVII - XVIII - XIX - (repete XX) - XXI

*Texto para o filme Os Índios da Meia Praia, realizado por Cunha Teles. Em Portugal, o filme só foi exibido uma vez para a comunidade de pescadores. A versão do disco não inclui todas as quadras.

** Palavra algarvia que significa dinheiro

*** Quadra só utilizada na gravação do tema no álbum.

in José Afonso Textos e Canções

O tema cantado que está no vídeo, foi retirado do filme. As quadras que Zeca gravou para o filme não correspondem, na sua totalidade, às quadras do tema que está no álbum "Com as Minhas Tamanquinhas".

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

1975 - Registo audio

Zeca Afonso e Vitorino: entrevista à BBC sobre a música de intervenção.

Som com pouca qualidade mas histórico.


clicar na imagem






terça-feira, 1 de novembro de 2016

Os jovens

"Os jovens, e digo, os jovens de todas as classes, estão um pouco à mercê de um sistema que não conta com eles, mas que hipocritamente fala deles - o 25 de abril não foi feito para esta sociedade, para aquilo que estamos agora a viver.

Aqueles que ajudaram a fazer o 25 de abril, imaginaram uma sociedade muito diferente da atual, que está a ser oferecida aos jovens.
Os jovens deparam-se com problemas tão graves, ou talvez mais graves do que aqueles que nós tivemos que enfrentar - o desemprego, por exemplo. E, por vezes, não têm recursos, porque o sistema ultrapassa-os, o sistema oprime-os, criando-lhes uma aparência de liberdade. Eu creio que a única atitude foi aquela que nós tivemos - por nós, eu refiro-me à minha geração - de recusa frontal, de recusa inteligente, se possível até pela insubordinação, se possível até pela subversão do modelo de sociedade que lhes está a ser oferecido, com o fundamento da liberdade democrática, com o fundamento do respeito pelos direitos dos cidadãos. É de facto uma sociedade, que é imposta aos jovens de hoje, teleguiada de longe por qualquer FMI, por qualquer deus banqueiro.

Tal como nós, eles têm que a combater, têm que a destruir, têm de a enfrentar com todas as suas forças, organizando-se para criarem a sociedade que têm em mente.

Entrevista para a RTP em 1984.