sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

"De bicicleta pelas ruas de Faro"

«Eu dava-me bastante bem com uns tipos que se reuniam num café, onde mantinha boas relações com um empregado de mesa. Um dia bebi uns copos... Deu-me um ataque de euforia, montei uma bicicleta e desatei às curvas pela noite fora. O empregado de mesa viu-me, largou a bandeja, pegou noutra bicicleta e perseguiu-me na intenção de me deter. A velocidade era tal que eu batia com os ombros nas paredes quando curvava, e o homem não conseguiu alcançar-me.»

in "Livra-te do Medo" de José A. Salvador


Foto: Zeca e Rui Veloso

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O Último dos Colonos

Em 1939, Zeca e o irmão João vêm para Portugal em julho enquanto os pais e a irmã Mariazinha, vão para Timor em agosto desse ano.

Zeca Afonso já tinha a 4ª classe feita em Lourenço Marques, mas voltou a repetir em Belmonte, pois não estava preparado para o exame de admissão ao Liceu. O irmão João que tinha reprovado na 4ª classe por ter faltado ao exame devido a um problema de saúde (operado de urgência a uma apendicite aguda que não correu lá muito bem), teve como companheiro de ano o irmão Zeca embora em salas diferentes.

Regressados ambos a Portugal como referido acima, João faz o exame de admissão tendo passado, Zeca repete o ano embora já com o exame da 4ª classe feito em Lourenço Marques.

A razão disso explica João no seu livro "O Último dos Colonos" (como curiosidade João refere que ele e os pais foram para Angola no vapor Quanza (1930). Trinta e dois anos depois (1962), embarcava eu então com 9 anos, no mesmo barco, tendo também como destino Angola).

"O ano escolar, em Portugal, não coincidia com o de Moçambique (...) A prova (exame da 4ª classe) decorreu três a quatro meses antes do termo do ano lectivo, de modo a irmos a tempo do exame de admissão ao liceu e da reabertura das aulas em Coimbra."

Numa das salas da Rebelo da Silva, escola primária em Lourenço Marques onde ambos estudavam, eles eram os únicos a fazerem o exame da 4ª classe. Vieram para Portugal no paquete João Belo tendo como destino Belmonte, ou seja, a casa do tio Filomeno.

Retomo agora o depoimento do João.

"Encontrávamos em Belmonte (...). Algum tempo depois, a professora do ensino primário, Senhora D. Ilda Bidarra, faz-me umas sabatinas, com vista às provas de admissão ao liceu. Zeca ficou excluído desse desígnio imediato, talvez porque, amputado dum largo período de preparação, não estivesse em condições de se submeter a exame."

... E assim João segue para Coimbra para casa da tia Avrilete e Zeca fica em Belmonte naquele que iria considerar o pior ano da sua vida.

Poesia do Zeca - Cão celofana...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A prima Bia

Do "Senhor Arcanjo" de Zeca Afonso.

"Que bela fita
Que bem não está
A prima Bia
De tafetá"


Quem seria esta prima Bia?

A prima Bia era prima do Zeca em 2º grau. Morava em Lisboa, na Avenida Almirante Reis já perto do Areeiro. Depois do Zeca ter feito o exame de admissão em Coimbra (27 de julho de 1940) o tio Filomeno levou-o mais ao irmão João, a ver a Exposição do Mundo Português (decorreu de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940 entre o Tejo e o Mosteiro de Jerónimos. O Padrão dos Descobrimentos, que podemos admirar hoje, é réplica do original, e foi inaugurado em 1960.

Hospedaram-se durante uma noite, na casa da prima Bia.

"A prima Bia era intemporal ou assim parecia. Desde quando ostentaria aquele mesmo ar gaiteiro e insubmisso com que a entrevíamos muito a espaço? Os mesmos vestidos garridos e roçagantes, os mesmos bandós de um loiro indefinido?" (1)

"... ela (a prima Bia teria sido a namorada (ocasional) do pai do Zeca e João, nos tempos de estudante universitário) e os seus cabelos tremelicantes, de um loiro inseguro, envolta mais em tules e musselinas do que no tafetá com que Zeca a vestiu numa das suas canções (...) Era a prima de Lisboa. Mas o que mais me seduziu nela (sem talvez dar muito por isso) foi a sua independência, num tempo em que se apontava o lar à mulher, como destino único". (2)

(1) - José Afonso - Um Olhar Fraterno - João Afonso dos Santos
(2) - O Último dos colonos" - João Afonso dos Santos

Agora vamos revisitar o que Zeca e o irmão terão visto em 1940, a Exposição do Mundo Português. Conforme referi, o Padrão dos Descobrimentos que se vê neste filme (3'14''), não é o atual. O original era feito de uma leve estrutura de ferro e cimento, sendo em estafe (placas de gesso e fibras vegetais, reforçadas com réguas de madeira) a composição escultórica formada por trinta e três figuras, tendo em destaque o Infante D. Henrique. O atual é feito de betão revestido de pedra rosal de Leiria.
Neste filme podemos ver as eminências pardas (todos mandavam na "sombra" de uns e outros), como Óscar Carmona, o então presidente da república, Salazar e o Cardeal Cerejeira.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Zeca Afonso na Covilhã

Havia dúvidas sobre o ano em que este facto ocorreu. Uns apontavam o ano de 1975, outros 1977. Confirma-se pela crónica, que foi em 1977.


Zeca e as Autárquicas de 1976

Em 12 de dezembro de 1976 Zeca Afonso participa nas eleições autárquicas como cabeça de lista para a Assembleia Municipal de Setúbal, nas listas do GDUP's (Grupos Dinamizadores de Unidade Popular) da qual saiu vencedora a FEPU (Frente Eleitoral Povo Unido), seguido do PS.

O GDUP foi a terceira força mais votada (ficou à frente do PPD/PSD), mas não elegeu qualquer vereador.

Das listas constava como cabeça de lista para a presidência da Câmara Municipal Acácio Barreiros da UDP com quem Zeca estava incompatibilizado. Pelo comentário colocado no jornal "Página Um", houve uma carta de Zeca contestando esse facto.

A fraca votação do GDUP's nos círculos onde tinha concorrido e as divergências dentro do grupo fizeram com que o partido cessasse a sua atividade em 1977.


... se este leitor era contra a tomada de posição do Zeca


... este era a favor!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

"Tropeçando" na história.

Zeca no Jornal "Página Um"


O projeto deste jornal surgiu após o 25 de novembro de 1975. Foi em maio de 1976 que saiu o nº 0. Jornal diário tinha como diretor Jorge Fagundes, advogado, que defendeu presos políticos durante a ditadura, como Saldanha Sanches, Carlos Antunes ou Isabel do Carmo.

Jornal próximo do PRP (Partido Revolucionário do Proletariado) teve uma ação preponderante na candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho (que Zeca apoiou nas presidenciais de 1976 e 1980) e propunha ser um espaço de liberdade e um instrumento de resistência e de força para os que se consideravam vencidos no 25 de novembro. O último número seria publicado a 21 de dezembro de 1978, tendo até essa data saído 256 exemplares.

Nestes 100 primeiros nºs podem-se ver fotos do Zeca de apoio a Otelo, entrevistas, participações em cantos livres e até uma chamada para declarações na PJM sobre o 25 de novembro.

Fonte:

http://citizengrave.blogspot.pt/2012/05/coisas-boas-em-jornais-cronicas-de-luis.html

Vitorino

«Um dia em que a televisão transmitia um debate entre Soares e Cunhal (6 de Novembro de 1975), fui cantar com o Zeca a um quartel de Setúbal, onde os oficiais se enfiaram na respectiva sala como se estivessem num "ghetto" e os soldados a ouvirem a malta cantar. Cantámos também no quartel de Queluz, e em outros onde se verificou sempre uma grande participação. Eram sessões muito vivas. O Zeca fazia intervenções de carácter político-pedagógico. Tudo isso nos exigia um grande esforço físico, pois actuámos muitas vezes sem meios técnicos de apoio às vozes e aos instrumentos. (...) Na cooperativa Pôr do Sol, em Reguengos, no mês de Outubro de 74, fomos lá. Já fazia frio, era de noite, os camponeses acenderam uma fogueira e puseram-se à volta dela. Parecia uma cena medieval. Cantámos em cima de um reboque de um tractor. Depois os alentejanos, em coro, cantaram para nós. Foi lindíssimo.»


in "Livra-te do Medo" de José A. Salvador


Foto: Pintinhas, Vitorino, Fausto e José Afonso no 1º de Maio de 1977 no Porto.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Serenata na Figueira da Foz

O Manel Nemésio namoriscava uma moça que vivia na Figueira e a quem quis presentear com uma serenata. Falou ao Camacho e ao Zeca (dos tocadores já não me lembro) e lá viemos de comboio, no fim de jantar, numa daquelas carruagens duras, de terceira classe, a ensaiar os fados e a acertar os tons. Chegámos, com atrasos e transbordos, pouco faltava para a meia-noite. (...) era uma suave noite de Outono.

A moça vivia perto do Jardim, numa casa virada para o rio. Os tocadores sentaram-se no chão, os cantores atrás, em pé. Ensaiaram-se os primeiros harpejos; a moça, entre cortinas, acendeu e apagou a luz várias vezes...

Ia começar! Mas eis que, das sombras do Jardim, sai um polícia barafustante: "É proibido fazer barulho na via pública depois da meia-noite! Tocà desandar!"

Temi o pior - o Zeca era um antipolícia primário.

Com muita conversa e apelos ao coração, lá conseguimos comover a autoridade. "Bom, eu vou pràquele lado e finjo que não oiço. Mas só vos dou meia hora"

Finalmente começou a serenata.

O Camacho e o Zeca, naquele cenário novo de lua derramada sobre o mar, deram o seu melhor... E o polícia não voltou a aparecer: talvez estivesse ouvindo, também por detrás das árvores do Jardim.

Regressámos alta madrugada. O céu começava a clarear quando chegámos à Estação Nova. No topo da colina, a Torre destacava-se...

A vida era bonita, o futuro longínquo e real o amor.


in Zeca Afonso antes do mito - António dos Santos Silva.

Foto: João Afonso dos Santos à esquerda, o tio Filomeno ao centro e Zeca à direita na praia da Figueira da Foz, local onde a família passava sempre as férias.


domingo, 3 de janeiro de 2016

Digressão - Suécia e Alemanha

José Niza

«Em 1962 (ou seria em 1963?), um estudante de Coimbra ir à Suécia, não era como hoje "vou-ali-já-venho", era qualquer coisa. (...) O objectivo da viagem era uma actuação no maior acontecimento mundano e social da Escandinávia, a Gala dos Reais Clubes Suecos, com a presença da família real e mais oitocentos convidados.

(devido a um carregamento que levavam para a Embaixada Portuguesa em Estocolmo de filigranas em ouro que desconheciam, estiveram detidos no aeroporto de Genebra cerca de três horas).

De regresso a Portugal, passámos ainda por Frankfurt para fazer um programa na televisão alemã (onde gravaram o "Menino d'Oiro" e "Vira de Coimbra"). Tudo correu bem. E, no final, o realizador perguntou-nos se queríamos ver o programa. «Ver o programa? Mas como? Já revelaram o filme?» - perguntei eu, desconfiado.

Mal sabíamos nós que tínhamos inaugurado a era do vídeo, coisa que em 1962 (1963?) e em Portugal nem sequer se falava.

Fim de citação

Fonte:

In José Afonso, edição Movieplay Portuguesa, S.A. - José Niza

Em pesquisa feita o ano correto é 1963, e é esse o ano que consta nos vídeos encontrados por Joaquim Vieira na TV mencionada.

- Sarau de gala, sob a égide de Portugal, dos clubes reais suecos de Aeronáutica, Automobilismo, Vela e Motonáutica, com gastronomia portuguesa e a actuação do Grupo de Fados do Orfeão Académico de Coimbra (José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Durval Moreirinhas e Jorge Godinho) e da fadista Esmeralda Amoedo (Abril-1963)

Nesta viagem à Suécia foram (da esquerda para a direita):

Gouveia e Melo, a fadista lisboeta Esmeralda Amoedo, José Afonso, José Niza, Durval Moreirinhas, Jorge Godinho e Adriano Correia de Oliveira.


sábado, 2 de janeiro de 2016

Vira de Coimbra

Este "Vira de Coimbra" é o registo mais antigo que se conhece de Zeca Afonso (o outro é o Menino d'Oiro, gravado na mesma altura).

Gravado na TV em Frankfurt em 1963, o que aconteceu após uma digressão à Suécia onde, para além dos que constam neste vídeo, fizeram parte o Adriano Correia de Oliveira e a fadista lisboeta Esmeralda Amoedo.