quinta-feira, 27 de agosto de 2015

POEMA CONTRA A RESIGNAÇÃO - José Jorge Letria

A tinta com que se escreve a dor de um povo
não existe na paleta dos dias perfeitos.
É uma tinta que casa o azul do mar
com a palidez de cal das tardes sem esperança,
o verde, o ocre e a cinza com o metal do grito
que a garganta magoadamente abafa.
E quando os filhos perguntam “amanhã como será?”,
que ninguém retome o fio da história
na enseada de assombros em que tantos sonhos naufragaram.
Condenaram-nos a responder pelo número que somos,
tornados estatística de uma raiva adormecida,
cifra negra que nos resume e derrota. Até quando?

Então e as viagens heróicas, as naus afundadas,
as sinuosas rotas de luz, os astrolábios do espanto
e tudo o mais que se perdeu no esquecimento dos mapas?
São perigosos os poetas na hora do incêndio da memória
com o fogo das palavras que não se rendem nem se vendem.
Agora somos a conta que ficou por pagar, colectiva e brutal,
a miséria sussurrada na aflição das noites,
a dormência dos dedos quando chega a hora
de escrever coragem na página de todos os temores.

Mas há uma pátria que se revolta dentro de nós
quando a música interrompe o sono das casas
e proclama que tudo é legítimo menos a resignação.

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