quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Última atuação de Zeca Afonso

1 de junho de 1983 - Salão dos Bombeiros Voluntários de Beja

Testemunho de Guedes Campos, médico, diretor do “Diário do Alentejo ” quando o jornal reapareceu, em 1982.

(...) episódios igualmente importantes foram os espetáculos de aniversário que o “Diário do Alentejo” organizou (...) em 1983 com os Ceifeiros de Cuba, Sérgio Godinho e José Afonso. Penso que o José Afonso, já doente, fez um grande esforço em estar presente, tendo sido a sua última atuação. O nome maior da música portuguesa despediu-se assim do Alentejo que tanto amava.

Foto: AJA

Testemunho daqui


Eu Hei-de Subverter a Minha Dama

Tum - Tum - Tum

Depois do galo não o deixar dormir toda a noite em Redondo, Janita Salomé leva Zeca para uma casa isolada na serra d'Ossa.

Janita:

«Levámo-lo de carro, deixámo-lo lá e viemos embora. Às cinco da manhã do dia seguinte, ouço bater à porta e vou abrir. Era o Zeca. Então pá? E ele começou a contar: "Tenho medo de dormir sozinho numa casa. Durante a noite o meu coração era tum-tum-tum. Não conseguia dormir e resolvi vir embora". Bom, ele andou a pé, durante a noite, oito quilómetros. À medida que passava nos montes isolados, os cães ladravam e alguns vieram atrás dele. Não ficou mais no Redondo. No dia seguinte foi-se embora e fez o «Fura-Fura», evocando essa experiência da vinda da Serra d'Ossa:

«Pela estrada fora/era já/meia-noite/ só cães a ladrar/a chuva na terra/o vento no mar» (...)



Um homem como este não vive só. E nunca mais se esquece.


in "Livra-te do Medo" de José A. Salvador

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Eu sou aquilo que fiz

“Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é que fica. Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os álibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta”.

Em entrevista a Viriato Teles, in «O Jornal», 27/4/84

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A Voz do Galo

Janita Salomé

«Um dia, o Zeca resolveu ir descansar para o Redondo. Estava farto do barulho em Setúbal, do barulho das motas. Eu ainda vivia no Redondo. Apareceu-me sozinho e arranjei-lhe um quarto na parte de trás da casa, para não ficar perto da rua. Dava para o quintal, um quarto sossegado. No dia seguinte, perguntei-lhe: "Então que tal? Aqui não há motorizadas." E ele diz-me: «Tudo porreiro, mas só uma coisa: o galo. Aquele galo tem uma voz!...»

O galo cantara toda a noite e não o deixou dormir.

In Zeca Afonso "Livra-te do Medo" de José A. Salvador

Quadras Populares

José da Conceição

José da Conceição, falecido a 16 abril de 2011, amigo do Zeca a quem convidou a actuar em Grândola a 17 maio de 1964 (era José membro da direção da «Música Velha» da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense) e em Viana do Castelo (Clube Fluvial Vianense) a 6 de Agosto de 1968, conta-nos como tudo aconteceu nesses dois espetáculos.

Programa Especial Antena 1 - Fados de Coimbra e Outras Canções (1981)

Apresentação do 11º e último álbum remasterizado que José Afonso gravou para a Orfeu. Apoio Antena 1

Edição: António Macedo

Testemunhos: José Afonso (ver introdução no vídeo), Arnaldo Trindade, Octávio Sérgio e Júlio Pereira.

Programa Especial Antena 1 - Fura Fura - (1979)

Testemunho de Júlio Pereira, João Gil e Luís Represas sobre a reedição do álbum "Fura Fura"" de José Afonso (1979)

Edição: António Macedo


Programa Especial Antena 1 - Enquanto Há Força (1978)

Testemunho de Pedro Afonso (filho mais novo de Zeca)e Pedro Caldeira Cabral sobre a reedição do álbum "Enquanto Há Força"" de José Afonso (1978)

Edição: António Macedo


Programa Especial Antena 1 - Com As Minhas Tamanquinhas (1976)

Testemunho de Vitorino, Quim Barreiros e Alípio de Freitas sobre a reedição do álbum "Com as minhas tamanquinhas" de José Afonso (1976)

Edição: António Macedo


Programa Especial Antena 1 - Coro dos Tribunais (1974)

Testemunhos de Carlos Alberto Moniz e de Vitorino sobre a reedição do álbum "Coro dos Tribunais" de José Afonso (1974)

Edição: António Macedo


Programa Especial Antena 1 - Venham Mais Cinco (1973)

Testemunho de Arnaldo Trindade sobre a reedição do álbum "Venham Mais Cinco" de José Afonso (1973)

Edição: António Macedo


Programa Especial Antena 1 - Eu Vou Ser Como a Toupeira (1972)

Testemunhos de Maria Tengarrinha (neta de José Dias Coelho a quem José Afonso dedicou a canção "A Morte Saiu à Rua") e Carlos Alberto Moniz, sobre a reedição do álbum "Eu Vou Ser Como a Toupeira" de José Afonso (1972)

Edição: António Macedo



Programa Especial Antena 1 - Cantigas do Maio (1971)

Testemunho de Carlos Correia (Bóris) sobre a reedição do álbum "Cantigas do Maio" de José Afonso(1971)

Edição: António Macedo


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Programa Especial Antena 1 - Traz Outro Amigo Também (1970)

Testemunho de Filipe Colaço por altura da remasterização do álbum de Zeca Afonso "Traz Outro Amigo Também"

Entrevista conduzida por António Macedo.


sábado, 18 de outubro de 2014

Programa Especial Antena 1 - "Contos Velhos, Rumos Novos" (1969)

Testemunho de Rui Pato e Francisco Fanhais por altura da remasterização do álbum de Zeca Afonso "Contos Velhos, Rumos Novos" (1969).

Entrevista conduzida por António Macedo.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Programa Especial Antena 1 - Cantares do Andarilho (1968)

Testemunho de Rui Pato por altura da remasterização do álbum do Zeca Afonso "Cantares do Andarilho".

Entrevista conduzida por António Macedo, ao qual agradeço a gentileza do envio do som em MP3 deste programa.


Quadras Populares

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Jazz

Pergunta de José A. Salvador ao Zeca:
- Tu gostas muito de jazz?

Responde Zeca:
- Muitíssimo. É a excepção que faço porque, normalmente, não ouço música.

Jacinta "fez-lhe" a vontade. Canta Zeca no estilo de música que tanto era do seu agrado.

As canções de Zeca cantadas por Jacinta no seu disco "Convexo" (2007)

Adeus ó Serra da Lapa

O Homem Voltou

A Formiga no Carreiro

Cantigas do Maio

Tenho um Primo Convexo

Se Voares mais ao Perto

A Morte Saiu à Rua

Que o Amor não me Engane

De Não Saber o que me Espera

Coimbra do Mondego


Da faixa "Era um Redondo Vocábulo" que faz parte deste disco, não há vídeo.

Sobre a gravação do seu disco:

Convexo

«Tu morres todos os dias»

Tu morres todos os dias
libertando telefonemas
diante da minha mágoa
exposta à ira dos dias
levo-te cravos vermelhos
flores recentes da estação
Morres e vais caminhando
sobre uma estrada de fumo
o lume que nos sustenta
Já não cheira não tem vida
Às vezes vens-me à lembrança
descalça ao longo da praia
Vivo terrores de madraço
Com dívidas acumuladas
Seguindo de perto o tráfego
Saberei um dia amar-te
Tu morres tu pontificas
eu respiro a tua sombra
Ai repouso do guerreiro
Sobre o abismo repousas


Azeitão, 31 de Março de 1981
José Afonso. Texto e Canções

«O meu baptismo político começa em África»

"Em 1964 regressei quase definitivamente a África (Moçambique). Tinha lá os dois filhos (do 1º casamento) e tinha esse problema moral que não conseguia resolver (...) Estive 3 anos: um na capital e dois anos na Beira. (...) Os primeiros meses foram extremamente penosos. Tinha dificuldade em aguentar aquela população branca. (...) Mas com os tempos, fui conhecendo e descobrindo a cidade e os subúrbios da cidade. (...) No Centro Desportivo dos Negros, lá pratiquei o meu judo e, quando estava a descobrir Catembe e os subúrbios de Lourenço Marques, sou compulsivamente enviado para a Beira".

Zeca Afonso foi professor de História. Nasce em 1965 na Beira, a sua filha Joana (na foto com Zélia).


Fontes: "Livra-te do Medo" de José A. Salvador e "África em José Afonso"


Rui Pato - TSF

Durante sete anos (1962-1969) e em sete discos num total de 50 temas, Rui Pato acompanhou Zeca Afonso. Esta ligação só não continuou porque a PIDE não deixou que Rui Pato se deslocasse a Londres onde Zeca Afonso gravou o álbum «Traz Outro Amigo Também».
Rui Pato em entrevista, relembra o grande mestre e Amigo.

Entrevista

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Fui ontem ao Norte

Fui ontem ao Norte
era ainda cedo
guizos tremiam numa feira de gado
Caras extintas por dentro
Caíam das janelas
Perguntei se era ali
a batina do cacique
a mentira das reses
nos açougues.

Ao longo da torreira
Cresciam as uvas
De súbito
fechei os olhos
Sons estridentes
rompiam as paredes
Duma casa em ruínas
A suástica luzia
num círculo
de sinais obscuros
Como a morte
Fez-se noite
Ergui o punho
À onda que passava.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

«A minha voz não ouve a voz do vento»

Poema escrito em Coimbra, em 1955:

A minha voz não ouve a voz do vento
A minha mão não sente a mão que sinto
Os meus olhos não vêem o que eu vejo
Desisto e invejo o que me dá alento


Seduzo-me a tentar mas não me tento
Pretendo-me sem dar-me o pretendido
Se busco perco-me onde não há p’rigo
Nutro de olvido com que me sustento

Se por aqui não venho ali não sigo
O que me traz por cá foi-me esquecendo
Desfaço o feito e faço o presumido
Nada consigo e nisto vou cedendo

Nisto prossigo e nisto me entendendo
(A voz de bronze que me traz consigo)
Ó minha amada vê como estou vendo
Ceia também comigo ó meu amigo

sábado, 11 de outubro de 2014

«Mensagem breve para José Afonso» - Vieira da Silva

"E no entanto tu teimavas que era preciso avisar a malta. Porque querias acreditar que este Portugal seria uma imensa Grândola governada pelo povo para sempre acordado fraterno e livre.

E no entanto novos tiranos já se apressam a servir-se do poder para ressuscitar o medo com que se tecem as teias do silêncio.

Por isso Zeca é tempo de te dizer que é urgente ouvir de novo a tua voz acesa.

Basta de te refugiares no sossego da morte.

Acorda companheiro!

Vamos cantar."

vieira da silva

23/02/2007

Os Dias Cantados - Os Lobos estão aí - edição de António Macedo e Viriato Teles

Biografia de Vieira da Silva


Foto: Manuel Freire, Fernando Tordo e Vieira da Silva (à direita).

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Zeca em África - Parte II

Testemunho de José Niza

«Em 1958 ambos integrámos na digressão que a Tuna Académica fez a Angola. Um mês de espectáculos e aventuras, de norte a sul, milhares de quilómetros, milhares de surpresas e aventuras e algumas meninas pelo meio.

Mas nessa digressão o Zeca não cantava apenas fado de Coimbra na serenata que encerrava todos os espectáculos.

Surpreendam-se! - o Zeca era um dos vocalistas do Conjunto Ligeiro da Tuna e cantava canções como "Adeus Mouraria", o seu maior sucesso, acompanhado ao piano, baixo, bateria, acordeão e guitarra eléctrica. O guitarra era eu...

Actuámos vestidos com umas largas blusas de cetim, cada um de sua cor, imitando a orquestra de mambos de Perez Prado, o máximo da altura.»

Acabada esta cena de "show-biz", vestíamos rapidamente a capa e batina e íamos para a serenata, mutantes do sol para a lua.

in José Afonso de José Niza - Movieplay Portuguesa, S.A.


Foto:1958 - Zeca canta "Adeus Mouraria" com a Orquestra Ligeira da Tuna Académica

Bobby Sands

"Esse regresso ao núcleo despojado
Esse ponto suplício a quem interessa
do breve curso o seu instante instado?
Pedem-te salmos e nas tuas trevas
A solitária calma
de alguns versos

É inútil chorar
O combate é preciso

Sem mais palavras ou com outras vestes
As do metal futuro
E do granizo."


Azeitão, maio de 1981

Poema do Zeca, dedicado a Bobby Sands dirigente independentista do IRA (Irlanda do Norte) que viria a falecer na prisão de Maze a 5 de maio de 1981, em consequência de 66 dias de greve de fome. Tinha 27 anos quando morreu. Um mês antes e já muito debilitado, fora eleito deputado ao Parlamento britânico, pelo círculo de Fermanagh e South Tyrone.


Foto: 1979 - Zeca Afonso participa em Londres, numa manifestação de solidariedade com os presos do IRA.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Mundo da Canção nº12

Esta foi a 1ª capa a cores de o "Mundo da Canção". Decorria o ano de 1970.


No seu interior, Bernardo Santareno escreve: "A arte de José Afonso é um jorro de água clara, puríssima, portuguesa sem mácula".

Que melhor tributo se pode prestar ao Homem e Cantor que foi Zeca Afonso?!

Lições de pai

Testemunho de Joana Afonso

Mais do que impor regras, o que José Afonso transmitia aos filhos eram valores de partilha e de respeito pelo outro, “mas também queria o quarto arrumado” (Prosema III)*, conta Joana Afonso, 47 anos. Lembra-se de uma disputa entre ela e o irmão Pedro, com menos quatro anos e meio, que acabou com um brinquedo novo no lixo. “Não me recordo de qual era o brinquedo, mas estávamos naquelas discussões: ‘É meu’, ‘é meu’, ‘não é nada, é meu.’ Ele veio e deitou-o fora. ‘Não é de ninguém. Nunca mais quero ouvir essa discussão’.” Resultou até hoje. “Não tivemos mais discussões dessas. O meu pai não suportava o egoísmo. Era tudo na base de: ou é de todos ou não é de nenhum!”

Joana Afonso ri-se ao recordar um outro episódio em que ambos, Joana e Pedro, não queriam sair de casa porque ia “dar qualquer coisa na televisão”. E fizeram finca-pé. O desfecho foi a televisão ir passar uma temporada na casa da porteira. “O meu pai achava que devíamos aproveitar o tempo livre na rua, devíamos sair e passear sempre que pudéssemos. Ele detestava que a televisão nos impedisse de fazer outras coisas bem mais importantes. Se fosse hoje, seria mais difícil, com toda a oferta televisiva que temos. Mas éramos todos espectadores assíduos do Vasco Granja!"

Não se recorda de castigos, nem de zangas, só de um ou outro raspanete. “Nem sequer se zangou comigo quando chumbei um ano.” Mas duas palmadas vêm-lhe à memória. A primeira já esqueceu o motivo, a segunda lembra-se bem. Foi numa viagem de carro para Espanha, em que as “tolices” dos dois irmãos (ambos filhos de Zélia Afonso) fizeram estragos: “A ‘lamparina’ que levei foi a gota de água de uma viagem supostamente tranquila e prazenteira, que eu e o meu irmão conseguimos infernizar com uma série de tropelias.”

O episódio, na opinião de Joana, até “foi cómico”. E descreve-o assim: “Depois de alguns dias de viagem stressante, há um parvalhão que decide encostar o nosso carro e pedir contas porque dois miúdos lhe faziam [o gesto de] cornos. O meu pai passou-se com o tipo, que era obviamente um idiota.” No entanto, a palmada que Joana recebeu não veio logo. “Depois de muitos quilómetros percorridos em silêncio e ambiente pesado, levei um estalo. Ele já devia estar de saco cheio, por razões óbvias.”

Vivendo em casas sempre cheias de gente e movimento, “com muitos amigos a entrar e a sair a qualquer hora”, Joana Afonso diz que não havia rigidez no cumprimento daquelas regras das famílias mais tradicionais, com horas certas para as refeições ou para deitar. “Tivemos uma educação muito livre e permissiva, no bom sentido. Só nas questões de ordem ética é que o meu pai era intransigente.” E hoje dá-se conta de que reproduz com o seu filho, José (cinco anos), os mesmos princípios. “Sigo ideais muito semelhantes, embora o contexto seja outro.”

Daqui


Foto: Zeca e a filha Joana

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Acez Osnofa

Os jornais da época ostentavam a advertência «Visado pela Comissão de Censura». Os jornais diários mais visados pelo regime eram em Lisboa o República e o Diário de Lisboa. No Porto era o Primeiro de Janeiro.


O nome de Zeca Afonso estava proibido nos jornais mas não as fotos. Para contornar a censura, "A Mosca” (Suplemento do “Diário de Lisboa”) publicou uma foto que eram duas – meia cara do Fanhais e meia do Zeca a 13 de setembro de 1969.


A partir desta edição as fotos passaram também a serem controladas pela censura.

Para colmatar a ausência forçada de Afonso, foi inserida uma entrevista com Rui Pato: o «acompanhante habitual do nosso primeiro cantor de baladas» (ainda ele, estudante de Medicina) que abordou o «caso que melhor» conhecia, o do intérprete de «Cantares de Andarilho».

in José Afonso - Fotobiografias Século XX


A 20 de setembro de 1969 n'A Mosca aparece pela 1ª vez Acez Osnofa (anagrama de Zeca Afonso).

Brilhante a parte final da entrevista sobre Acez Osnofa:

- O leitor conhece?
Basta ler ao contrário






Quadras Populares - Velhice

sábado, 4 de outubro de 2014

Zeca em Belmonte - 1938/39

"Gastão era perfeito/ conduzido por seu dono/ em sonolências afeito/ às picadas dos mosquitos" GASTÃO ERA PERFEITO, in Venham mais Cinco (1973)

O dealbar dos anos 40 vem encontrar o "menino zequinha" como porta-bandeira, a fazer a saudação nazi, de calças à golfe, bivaque e um cinturão com um grande S (farda da Mocidade Portuguesa), a marcar o passo no pelotão de miúdos pelas ruas de Belmonte. Na terra e na família pontificava o tio Filomeno (que lhe inspirou a canção em epígrafe), presidente da Câmara, comandante da Legião, homem de ardente vassalagem a Salazar, admirador de Franco e germanófilo. "Londres comme Cartago sera détruite!", assim soavam as emissões nocturnas na "telefonia" lá de casa. Quase todas as noites partia um comboio para a Alemanha hitleriana. Era o negócio do volfrâmio. Mas disto, Zeca, com 10 anos, ainda não percebia nada. Só sabia que aquele regresso à metrópole (por causa dos estudos) foi sentido como um degredo.

«Lembro-me de andar a marchar fardado à Mocidade Portuguesa à frente dos outros, como porta-bandeira. Era o meu tio que me metia nisso. À noite, estávamos à volta da braseira e o meu tio mandava-me deitar. Mas nunca conseguia dormir, porque se ouviam os ruídos do rádio sempre que ele procurava sintonizar a Rádio Paris colaboracionista. O locutor, no final das emissões, declarava solene: "Londres será destruída como Cartago."»

«Eu ainda andei de mão esticada a gritar "Quem vive? Carmona, Carmona, Carmona", "Quem manda? Salazar, Salazar, Salazar!"»

Ainda por cima, sendo ele ali visto como "um menino agasalhado", sobrinho do senhor doutor, que não podia participar nos jogos com os outros miúdos da vila.

Fez aí a quarta classe, espartilhado entre a chateza dos dias, o acanhamento da paisagem, a monotonia das missas, paixonetas por declarar, e uma tia que lhes racionava a água, de guarda ao jarro, atrás da porta, "como um índio sioux": "O pior ano da minha vida". Da escola guardava recordações traumatizantes, "enxurros monumentais de porrada". Zeca era distraído, patologicamente distraído. O professor tinha o hábito de o suspender pelas orelhas, "como se aquela tormentosa ascensão tivesse o mérito inverso de o fazer descer à terra", conta João Afonso: "A imensidade africana que Zeca trazia na cabeça e nos sentidos já não cabia nos parâmetros concretos do didactismo escolar."

Fontes e textos: José Afonso "Cronologia da Vida e Obra; "Livra-te do Medo" - José A. Salvador; "Os Lugares de Zeca Afonso" - Visão.

Fotos: Zeca fardado à MP e com o tio Filomeno que, segundo o irmão João Afonso, era um exímio dançarino.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

"Mundo da Canção" - Zeca Afonso

Foi logo no seu 1º número que surgiu Zeca Afonso, para além do Padre Fanhais e outros. Uma revista que veio dar uma pedrada no charco face ao nacional cançonetismo "porreiro" vigente no Estado Novo. Foi uma lufada de ar fresco no panorama musical cinzento existente, dando a conhecer ao seu público, os que posteriormente foram designados por cantores de intervenção. Objetos de censura nunca deixaram de lutar por um país novo e livre de mordaças.

Hoje faço menção de lhes agradecer tudo o que fizeram durante anos pelos nossos cantores, pelo "nosso" Zeca e por tantos outros que nas suas canções nos mostravam um caminho novo, o caminho da Liberdade.

"A revista MC-MUNDO DA CANÇÃO surgiu em Dezembro de 1969, tendo como fundador e editor Avelino Tavares. Apresentou-se "com o objectivo de lutar contra o cançonetismo apodrecido e ajudar a construir uma canção diferente."

Obrigado Avelino e todos os que contribuiram para a grandeza desta nossa Revista.

Com a devida vénia, do nº1 desta revista - Zeca Afonso, ainda um ilustre desconhecido do grande público.

Zeca na Tropa - 1953/1955

Cumpre a recruta em Mafra, sendo depois colocado num quartel em Coimbra e faz manobras em Santa Margarida.

"Ao cair da madrugada/ No quartel da guarda/ Senhor General/ Mande embora a sentinela/ Mande embora e não lhe faça mal" RONDA DOS PAISANOS, in Baladas e Canções (1967)

A tropa foi o buraco negro na sua biografia. Um tempo vácuo. Aborrecia-se mortalmente, não atinava com a culatra, com o percutor, o dente de armar, nem com formaturas e rotinas pautadas a toque de clarinete...

"Fui o menos classificado de todo o curso por falta de aprumo militar. Na formatura era um infantilismo pegado. Cachaças uns aos outros, ao mesmo tempo que se dizia "seu cagão". Era uma coisa indescritível. A mim pediram-me para sair da caserna porque tinha pesadelos e berrava que nem um chibo.
Fui aspirante miliciano no RI20 e aí notabilizei-me por alguns deslizes de caráter técnico."

Limitou-se a criar anticorpos, nas palavras do irmão, "contra todas as formas de constrangimento pessoal". A incompatibilidade com as tecnologias era quase genética. Nunca usou relógio, só muito tarde conseguiu acertar nos botões REC e PLAY do gravador, inventou um sistema de pautas para consumo próprio. E quando, anos mais tarde, em Moçambique, se meteu a tirar a carta de condução, o instrutor, depois de tantos alheamentos e ausências, voltou-se para ele e perguntou: "O senhor é assim a modos que poeta, não é?" Outra vez, entrou em casa, dirigiu-se ao frigorífico e sentou-se a comer pudim.

E estranhou: a mulher não costumava fazer pudim... Tinha entrado na casa de um vizinho.

Fontes e textos: José Afonso "Cronologia da Vida e Obra; "Livra-te do Medo" - José A. Salvador; "Os Lugares de Zeca Afonso" - Visão.

Foto: Diário de Lisboa