quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Ovo Estrelado

Era uma vez: chegada à Marinha Grande para um recital. Operários vidreiros recebem-no com entusiasmo. Rui Pato acompanha-o de novo. Primeiro pedido do Zeca: umas meias. Tinha-se esquecido de calçar peúgas... Em Coimbra, diz-me o Rui, o Zeca sempre teve fama de maluco. Aconteciam-lhe coisas estranhíssimas e a mais vulgar era andar com uma meia de cada cor. Trazia sempre com um saco de remédios. Uns para dormir. outros para acordar. À noite enfiava calmantes, de dia estimulantes...

Tinha também o hábito da vitamina C. Quando chegava à gravação dizia que não tinha voz e tomava uma injecção de vitamina C para «aclará-la».

Era raríssimo haver ensaios. Para gravar um «long-play» começava-se de manhã e à noite vinha-se para casa. Hoje isso leva um ou dois meses. Aquilo era à primeira e no máximo à terceira. As coisas acabavam por ser modificadas e refeitas no acto da gravação.

Era o que há de mais improvisado. O Zeca punha sempre dificuldades nas gravações. Às vezes dizia que não fazia a digestão. Um dia propus-lhe uma refeição leve. Comemos um ovo estrelado.

Estávamos prontos para gravar e ele disse que não conseguia cantar. Respondi-Ihe que não podia ser do almoço, não fora pesado. Então ele ripostou: «Ó pá, sinto o ovo estrelado no cimo da cabeça».

in "Livra-te do medo - estórias e andanças do Zeca Afonso" de José A. Salvador

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