terça-feira, 30 de setembro de 2014

Zeca em África - Parte I

«Sou filho da África colonial, de Coimbra e da Beira-Baixa»

José Afonso, 1983

1933 - Vapor Mouzinho - A caminho de Angola. O pai é procurador da República na Comarca de Silva Porto

"Havia uma chaminé, uma amurada e um convés.

Era um barco a vapor, está bem de ver. Ronceiro, ainda a cheirar à revolução industrial. Adornava, da proa à ré, consoante a vaga. Tropicalizava-se o Atlântico, a cada milha navegada. A carreira do costume, da metrópole às colónias, nos anos trinta. A bordo, seguia um miúdo de calções. Zeca Afonso, a roçar os 3 anos. Sozinho, naquele lençol oceânico, que cobria, sabe-se lá, que assombros, que mostrengos. Instalada em Angola, a família mandara-o vir de Aveiro. Retirado do aconchego caseiro de primas e tias maternas, embarcou neste seu baptismo naval, entregue a um tio afastado, recém-casado, mais atento aos recolhimentos da lua-de-mel do que ao puto de calções. Com tanto de aflito como de desamparo, ancorou-se na mão de um velho missionário, o "homem das barbas brancas", de quem nunca mais se há-de esquecer (Prosema II) .

«Por razões de saúde, diz Zeca Afonso, meus pais que estavam em Aveiro, deixaram-me ao cuidado do tio Chico (republicano e anticlerical) e da tia Gigé ali numa casa situada na Fonte das Sete Bicas (...). A minha mãe pediu ou exigiu que eu fosse enviado para África ao cuidado de um tio-advogado que seguia para Angola. Eu tinha três anos e meio. O tio ia em lua-de-mel, não me ligou nenhuma e desapareceu. Encontrei-me no barco - o "Mouzinho" - abandonado e, durante toda a viagem agarrei-me a um missionário, que ainda hoje recordo nos meus sonhos e foi praticamente a única pessoa que me prestou atenção»

O irmão, João Afonso, dois anos mais velho, na biografia "fraternal" que escreveu, haveria de iniciar a narrativa de uma vida, com o levantar de âncora do Mouzinho, e com aquele deambular pelo convés do pequeno navegador solitário. Convencido, diz, de que "Zeca bebeu aqui, nesta infância remota de embarcado alguma coisa do seu vezo de andarilho". E acrescenta: "Zeca tem a divagação no sangue, é um espírito nómada, espartilhado entre as quatro paredes deste nosso espaço sedentário, comprimido contra o oceano." Daí aquele seu ar abstracto, o seu temperamento aéreo, a sua propensão errante, o seu aparente desprendimento, o desassossego "de embalar a trouxa e zarpar ". "Dessa sorte de navegar, no mar ou em terra, se embeberam as suas canções, numa obsessão inconsciente." "O Zeca era um génio. Não gosto de empregar esta palavra levianamente. Somos todos geniais. Pois. Mas o Zeca era 'mesmo' genial. E muito queria que isto não fosse um consenso mas um dado adquirido.


Fontes e textos: José Afonso "Cronologia da Vida e Obra; "Livra-te do Medo" - José A. Salvador; "Os Lugares de Zeca Afonso - Visão e "África em Zeca Afonso"

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Quadras Populares - Gente Nova

Livro "Cantares de José Afonso"

Em 1966 sai uma 1ª edição do livro "Cantares de José Afonso" pela Nova Realidade - Tomar

Em 1967 sai uma 2ª edição com texto de Rui Mendes, que estava previamente anunciado para a 1ª edição, extraviou-se algures e só saiu nesta 2ª edição.


Daqui


Capa: Fotografia de Rocha Pato

Em 1967 sai esta 1ª edição clandestina - Edição SCIP - AAEE de Lisboa / A.E.I.S.T.




Fotografias do moçambicano Ricardo Rangel, desenho de António Quadros e preâmbulo de Flávio Henrique Vara.

«[...] Coimbra tem assim constituído a praça forte do reaccionarismo a da alienação portuguesa, e, se pensarmos que foi durante muito tempo o único centro universitário do País, temos de reconhecer nela o beco da nossa cultura e um dos maiores freios ao nosso progresso sócio-económico.
Felizmente que desde alguns anos para cá um grupo de gente nova está surgindo, reduzido é certo [neste pequeno círculo se deve incluir o bardo dos Cantares], mas cada vez mais numeroso e servindo de suporte a uma mentalidade diferente, sensível às realidades que nos cercam e aberta para os dramas que atormentam o mundo actual. [...]
E se algum qualificativo quiséssemos utilizar, que melhor reunisse as qualidades destes Cantares, diríamos que eles são eminentemente cultos. Não é de facto a cultura uma relação viva do homem com a realidade circundante? Por serem cultos é que muitos destes cantares andam nas bocas do vulgo, ilustrando assim esta verdade tão singela como frequentemente esquecida: que a arte para ir direita ao povo tem de brotar do seu húmus. [...]»


Quadras Populares

Quadras Populares - PIDE

IRA - 1979

1979 - Zeca participa, em Londres, numa manifestação promovida pela Amnistia Internacional de Solidariedade com os presos do IRA.


Quadras Populares - Manuela Eanes

Lá no Xepangara

João Afonso:

«Aos fins-de-semana, eu, o Zeca e um amigo que ainda lá está (1983), o Simões saíamos da cidade do cimento e íamos para o caniço» Íamos os três, eu com a minha máquina de filmar, o Simões com a máquina fotográfica, e o Zeca a acompanhar-nos. O caniço no Xepangará não era tão deprimente como em Lourenço Marques de então. Invariavelmente, fazíamos este ritual dos fins-de-semana: penetrar na zona suburbana e olhar. Reuníamos na casa uns dos outros. O Zeca cantava, o Simões gravava. Éramos uma minoria, mesmo a malta do cineclube. À beira da minha casa havia dois marimbeiros que tocavam quando o dia desaparecia. Era uma coisa indescretível.»

Faziam recolhas de músicas populares de pessoas que encontravam. Destas pesquisas guardou Zeca, influências dos ritmos africanos e fez uma canção que descreveu como uma «meramente rememorativa - evocativa de personagens e lugares» intitulada «Lá no Xepangara» (Coro dos Tribunais, 1975). O álbum "Coro dos Tribunais" foi o seu primeiro trabalho gravado sem censura.


Fontes: Zeca Afonso - Livra-te do Medo - José A. Salvador

E daqui

Foto: João e Zeca Afonso no Xepangara

Quadras Populares - Central Nuclear

Salutación á José Afonso

Março aconteceu chuvoso em 1985. Vestia­-se de cinzento a cidade quando a atravessei, emocionado, rumo ao hotel. E o caso não era para menos: tinha chegado Atahualpa Yupanqui!
(...)
A dada altura, Atahualpa estendeu-me uma folha de papel pautado, dizendo: «Escrevi este poema para o José Afonso e gostava de lho poder entregar pessoalmente mas tal não me vai ser possível. Agradeço-te que lho envies…»Enviei. Esclarecendo o Zeca de que se tratava do original (conforme repetida insistência do próprio Atahualpa Yupanqui) e de que iria procurar, por todos os meios, divulgá-lo o mais amplamente possível como tinha sido expressamente desejado pelo seu autor.Os tempos passaram. Das andanças do Zeca sempre fomos sabendo. E de Atahualpa Yupanqui uma ou outra notícia dispersa. E ontem a da inevitável partida física do trovador Yupanqui (faleceu a 23 de maio de 1992). Num momento de partida antecipo uma chegada imaginada: nesta altura, para onde quer que tenham ido, o Zeca e o Atahualpa. Já se encontraram. Com o velho índio a dizer: «Te abrazo, hermano, y ai combate vamos. Somos hechos de lúz y polvareda.».

Mário Correia

Salutación á José Afonso | Atahualpa Yupanqui

Ya no estoy en tu piedra. hermano Afonso.
Como un viento de mi pampa
legué leno de cantos enamorados y salvages.
Aqui quedan algunos, cerca de tus olivos.
junto a los rios, trepando calles
y caminos duros. Duros como los hombres y
las cosas.
Como no amar la tierra, compañero?
Si en el aroma fuerte de la hierba
te saluda en la tarde la paloma escondida.
La mano deI amigo es tu estandarte.
Tan hondo como el mar es el amor deI pueblo.
Donde quiera que vayas, la poesia amanece
como una novia inacabable y tierna.
A mi América vuelvo, José Afonso.
Te abrazo. hermano, y aI combate vamos.
Somos hechos de lúz y polvareda.

Atahualpa Yupanqui 9 de Marzo 1985

Fonte: AJA

A minha página musical deste cantautor Aqui


Vilar de Mouros - 1968

Em 1968, o médico Vilarmourense António Augusto Barge repetiu o festival (o anterior tinha ocorrido em 1965) onde reuniu a Banda da GNR, Zeca Afonso, Carlos Paredes, Luís Goês, Adriano Correia de Oliveira, Quinteto Académico+2, Shegundo Galarza e alguns grupos folclóricos. Estima-se que assistiram a este festival cerca de quinze mil pessoas, repartidos por três dias.

"Foi na casa ao cimo do Caminho de Chêlo, onde se encontravam os verdadeiros «bastidores» do festival, que Zeca Afonso veio a conhecer Manuel Freire, então um cantor pouco conhecido que ainda «não sabia nem sonhava» que a sua Pedra Filosofal iria ter tanto êxito. «Manuel Freire conheceu Zeca Afonso aqui ao lado, na varanda da nossa casa», conta Isabel Barge. «Tornaram-se amigos e logo aí o doutor José Afonso, como era oficialmente tratado, convidou Manuel Freire, então com 26 anos, para cantarem juntos, o que aconteceu duas vezes na semana seguinte.»"


O festival de 1968 não passou despercebido à PIDE (polícia política), que recebeu relatórios sobre as canções proibidas cantadas em coro por Zeca Afonso e pelo público, mas teve pouco impacto no país, ao ponto de ainda hoje ser atribuído o nascimento do festival à edição de 1971.

"O palco era muito simples", lembra José, uma dos poucos músicos que ainda podem contar a história. Para o evento, o Quinteto Académico decide encomendar uma aparelhagem dos EUA, com uns muito modestos 200 watts. "Na altura não era nada mau, tinha duas colunas pequenas e fizemos uma ligação a mais duas, para as pessoas ouvirem no recinto." O sistema de som artesanal era suficientemente profissional para servir para todos os músicos da noite, com um espantando Zeca Afonso a dizer, "Opá, parece que estou em casa". O foco da noite estava mesmo nas palavras do cantor de Aveiro. Com a primavera marcelista acabada de florescer, o público procurava incentivos de liberdade.

Foto: Carlos Paredes, Adriano Correia de Oliveira e Zeca Afonso.


Quadras Populares

Quadras Populares - 1º de maio

As duas "faces" do mesmo disco

JOSÉ AFONSO EM LONDRES

ORFEU - ATEP 6389 - 1970

No Vale de Fuenteovejuna - A Cidade - Era De Noite E Levaram - Bailia

De cachecol na cabeça está Zélia, mulher de José Afonso e entre José Afonso e Gilberto Gil está Luís Filipe Colaço, mas por uma qualquer razão, que até o próprio desconhece, a sua fotografia foi tapada, ainda por cima com um erro.

Também Arnaldo Trindade, autor da fotografia e editor de José Afonso desconhece a razão por que Luís Filipe Colaço foi tapado.

Ao contrário do que se diz na capa do disco, esta fotografia não foi tirada em Hyde Park, mas sim em Victoria Park (Hackney, Londres), onde José Afonso assistiu, parcialmente, ao Festival da Páscoa Pela Paz (CND Easter Festival For Peace) que se realizou no dia 29 de Março de 1970 e onde encontrou Gilberto Gil.

No Festival, apresentado por John Peel, participaram, entre outros, Liverpool Scene, Arthur Brown, Black Sabbath, Spontaneous Music Ensemble, Bruce Turner, The West Indian Narrative, Mike Absalom, Marc Brierley, Viet-Rock Group of Keele University, Apple Theatre from Brighton, The Greek Arts Theatre.

CND são as iniciais de Compaign for Nuclear Disarmament.

À època, José Afonso encontrava-se em Londres para gravar o LP "Traz Outro Amigo Também", juntamente com Carlos Correia (Bóris) e Luís Filipe Colaço.

Diz quem sabe que Zeca andava sempre com "pavor" de ficar sem voz, sempre com cachecol e boina, claro. Bebia imenso sumo de cenoura.

Daqui


Funeral de Zeca Afonso

O invólucro do que somos foi-se mas a música do Zeca é eterna.

Quadras Populares - Fachos

"Vejam Bem" - Grande Prémio TV da Canção 1968

Um dos temas incluídos em Cantares do Andarilho, "Vejam Bem", escrita na Beira - Moçambique, fez parte do filme “O Anúncio” de José Cardoso, apresentado no Festival de Cinema Amador pelo Cineclube da Beira. De regresso a Portugal a 16 de agosto de 1967, os amigos de Coimbra que se reuniam no café "A Brasileira", haviam de incentivá-lo a concorrer ao então denominado Grande Prémio TV da Canção e como a resposta do músico aconteceu sob a forma de pergunta "o que é preciso fazer?", a resposta seguinte foi colocada nas mãos de Rocha Pato. O jornalista telefonou aos colegas do Primeiro de Janeiro em Lisboa e estes informaram o que era necessário enviar uma cassete e uma partitura dentro de um envelope sem nome. "Partitura?!" - olharam uns para os outros. "Mas quem é que pode saber fazer uma partitura?".

Talvez o senhor Pires, vendedor numa loja de electrodomésticos da cidade, a quem frequentemente Zeca e Rui Pato compravam uns discos. Acontece que o homem tocava saxofone na banda da Pampilhosa - o que, desde logo, indiciava alguns conhecimentos mínimos de teoria musical. Chegados à loja, cumprimentaram o vendedor e logo fizeram soar um "Oh senhor Pires, se a gente lhe cantarolasse uma cantiga você passava isso a partitura?". "Então não passava!". O resto vem pela voz da memória de Rui Pato: "O Zeca sentou-se lá na loja dos frigoríficos, comigo e com o senhor Pires a ouvir, ele ia cantando e eu com a viola ia ajudando, e o tipo escreveu aquilo tudo". A música acabou por não ser seleccionada, num ano (1968) em que o vencedor foi Carlos Mendes com "Verão".

Gonçalo Frota, Fevereiro de 2012 (texto alterado)

Nota: no texto original de Gonçalo Frota ("O Adeus de Coimbra"), está a data 1967 como a do envio da partitura do "Vejam Bem". Nesse ano (1967) o Festival RTP da Canção realizou-se a 25 de fevereiro. Tendo em conta o tempo para seleção das músicas para o certame, o mesmo seria entre fins de 1966 e início de 1967. Nessa altura Zeca estava em Moçambique. Regressou a Portugal em 16 de agosto de 1967, pouco antes do fim do ano letivo (setembro). Por isso, o envio para seleção da letra "Vejam Bem", foi para o Festival RTP de 1968 realizado a 4 de março, onde ganhou Carlos Mendes com a canção "Verão".

Neste pequeno excerto, Rui Melo Pato mostra a partitura da canção com que Zeca Afonso concorreu ao Festival da Canção.

Não passou da 1ª fase por falta de qualidade.

Falta de qualidade vejam bem!


Os originais da partitura escrito pelo Sr. Pires.


(cedidas gentilmente por Rui Pato. Digitalizadas por Paulo Moura com anuência da filha do Sr. Pires, Isabel Pires)

Poema - 1959

Olham-se o Olvido e o Medo

Quadras Populares

Ó Altas Fragas da Serra

Cantares de José Afonso

Quadras Populares - Infância

Som dos Passos no Grândola

"Cantigas do Maio"

Sobre o som de passos que se ouve no "Grândola, Vila Morena" que faz parte deste LP.

"Ao pensar na estrutura e na encenação do tema, José Mário recua ele próprio para o seu passado no Alentejo. Alguns anos antes, ainda estudante, era habitual juntar-se a um grupo de amigos e rumar até à aldeia de Peroguarda, próxima de Beja. "Íamos às vezes passar as férias da Páscoa no meio dos camponeses". A experiência viria a ser determinante na gravação de "Grândola", pela imagem - mais visual até do que sonora - que guardava desse período. Ao ouvir Zeca cantar, José Mário recordou "os trabalhadores a virem da monda, cansados, naquela postura em que agora os vemos tipicamente a cantarem, abraçados, na largura da estrada toda e com o pé, o movimento, a fazer parte da música". Daqui, surgem duas ideias. A primeira: "Oh Zeca, por que não damos a isto a forma do cante alentejano - o ponto, o alto, a resposta do coro, a inversão de quadras?". A segunda: a incorporação desse movimento dos pés a marcarem o ritmo, a darem o chão para as vozes se levantarem.

É então que José Mário questiona Gilles sobre o melhor sítio para gravar estes passos. Assim, em volta da casa acastelada, com o estúdio instalado no sótão, fixam-se num espaço perto das dependências e das cavalariças, os pés na gravilha. Sallé desencanta uns enormes cabos de microfone e extensões igualmente longas para os auscultadores que emitiriam o metrónomo eletrónico. Depois, foi esperar pelas três da manhã, "porque podia passar uma motorizada numa estrada ou um carro, podia mugir uma vaca num campo ali ao lado". Abraçados como os camponeses, Zeca, José Mário, Bóris e Fanhais gravam três ou quatro minutos dos seus passos na gravilha, num movimento circular. No dia seguinte, os mesmos quatro gravam as vozes que ficariam para história da música portuguesa e da Revolução de Abril."

Sobre as fotos:

"Estou a ensinar-lhes os passos que os cantadores alentejanos fazem ao cantarem, a gravação só foi feita à noite para aproveitar o silêncio"

(comentário enviado por e-mail a Manuel Pedro Ferreira, director científico do projecto Arquivo José Mário Branco).

As fotografias foram tirada em 1971 por Patrick Ullmann, durante as gravações do álbum "Cantigas do Maio", de José Afonso, no Strawberry Studio em Herouville (França).

Fanhais, Zé Mário Branco e Zeca Afonso, em Paris, durante a gravação de Cantigas do Maio.

Foto: Patrick Ullmann

Helena Afonso fala do pai

Cansado da sociedade colonial (Moçambique), José Afonso regressa a Portugal, sempre debaixo da atenção da polícia do regime. Contudo, essa circunstância não o impedia de continuar a conviver de perto com pessoas na clandestinidade, artistas e intelectuais de esquerda. «A minha casa parecia uma estação. Toda a gente passava por lá», salientou Helena Afonso, considerando ainda que, para além da música, o legado do pai foi a sua intervenção política e social. «Ele costumava dizer que Portugal era um país de cobardes», disse. (...)

Mesmo após o 25 de Abril, do qual se tornou símbolo a sua “Grândola Vila Morena", Helena Afonso destaca o facto do pai «nunca se ter aproveitado da sua popularidade», optando por se dedicar a escrever e a cantar a favor de causas sociais. «Ele tinha horror ao vedetismo», garante a filha, acrescentando que «hoje, Zeca Afonso seria uma pessoa deslocada».

Fim de citação!

Daqui

Zeca dizia que Portugal era um país de cobardes, os tais eunucos da sociedade que se devoram a si mesmos. Pode este governo tirar todos os direitos e regalias ao povo que a maioria não tuge nem muge. Ainda há uns que vão lutando, mas essa é a exceção que confirma a regra!

Chamaram-lhe um dia Zeca

Antena 1 - "Chamaram-lhe um dia Zeca" (clicar Aqui)

Fado das Águias

Relativamente a este disco há uma curiosidade. Segundo o que se diz, a letra e música deste "Fado das Águias" seria da autoria do José Afonso e assim eu o tinha também considerado quando fiz a página musical dedicada ao Zeca. Mas, pelo que li em pesquisa, não será assim. A 1ª quadra é da autoria de Camilo Castelo Branco, a 2ª quadra de Fernando Lemos Quintela e a música de João Salustiano Monteiro.

"Fado das Águias

Ó águia que vais tão alta
Por essas terras além
Leva-me aos céus onde eu tenho
A alma da minha mãe

As lágrimas que eu chorei
Leva-mas porque são puras
São as preces que eu rezei
Com saudades e ternura

Verifiquei posteriormente que realmente a 1ª quadra faz parte da 3ª quadra do poema do Camilo no...

“FADO DAS LÁGRIMAS (Oh! fonte que está chorando)


L: Camilo de Castelo Branco

Oh! Fonte que estais chorando,
Não tardarás a secar,
Mas os meus olhos são fontes
Que não param de chorar.

Oh! triste da minha vida,
Oh! triste da vida minha,
Quem me dera ir contigo
Para onde tu vais, andorinha.

Oh! águia que vais tão alta
Por essas terras d’além,
Leva-me ao céu onde eu tenho
A alma da minha mãe.

Claro que a culpa disto não é do Zeca mas sim da editora da época, Melodia, que colocou no fonograma o Zeca como autor deste fado.

Matias Destronado

Angola - Os Medos de Zeca

"A situação em Angola era de guerra. A colagem de cartazes era feita a tiro. Fomos visados pela FNLA como agentes portugueses que iam desvirtuar o processo angolano. Partimos para Piri no norte de Angola (Província de Bengo). Militantes e guerrilheiros do MPLA levaram-nos de automóvel. Quando chegámos não havia ninguém nas ruas da povoação; guerrilheiros do MPLA mantinham-se em posição de combate com metralhadoras montadas na rua (...). Cantámos com o Rui Mingas. Voltámos a Luanda e o ambiente do hotel era insuportável. A FNLA fazia-nos provocações permanentes e ameaças à porta do nosso quarto..." (Fausto in Zeca Afonso - "Livra-te do medo" de José A. Salvador)


Zeca:

“O medo foi sempre um sentimento que conviveu comigo. O medo a que se sobrepunha uma sensação de angústia, género «Como é que me vou comportar em tal ou tal situação?». Pouco depois dos acordos do Alvor fiz uma digressão com o Fausto, em Angola, e vivemos situações difíceis. Também aí tive medo várias vezes. (…) Tudo começou numa conferência de imprensa em que eu defendi o MPLA contra os outros movimentos. A partir daí as provoca­ções acompanharam-nos por todo o lado. Tipos da UNITA, da PIDE, que ainda por lá anda­vam, da FNLA, etc. Foram uns bons cagaços. (…) O medo é uma coisa substancial em mim. “

Entrevista a José Amaro Dionísio.

Como "conheci" Zeca Afonso

Diz Fausto:

«Em 1975, o MFA convida-me a mim, ao Zeca e ao Adriano para irmos a Angola. Fomos cantar e tocar em sessões prioritariamante dedicadas aos soldados portugueses que lá estavam, com os acordos de Alvor ainda frescos (Janeiro de 1975). O espetáculo na cidadela de Luanda teve mais de vinte mil pessoas. Além de nós, actuaram o Rui Mingas, o Tonito, Lamartine (Carlos) e um conjunto angolano, Merengue. Viajávamos num avião da Força Aérea e fizemos espetáculos em Cabinda...» (in Zeca Afonso - "Livra-te do Medo" de José A. Salvador)

... E foi em Cabinda que conheci Zeca Afonso. Tinha vindo da floresta do Maiombe, de Tando Zinze propriamente dito onde tínhamos o aquartelamento, aquartelamento esse que foi entregue ao MPLA. Aguardava no B.Caç.11 (Gorilas do Maiombe) embarque para Luanda onde iria passar à disponibilidade quando fomos convidados para irmos ao Cinema Chiloango onde iriam cantar o Zeca, Fausto e Adriano (a tropa que estava no B. Caç.11 tinha duas alternativas, ou no dia seguinte iam à praia ou iam nessa noite ver o Zeca e Adriano ao Chiloango).

Já ouvia Zeca do qual tinha muitas cassetes com músicas dele. Nessa época não me apercebi que Zeca era uma "persona non grata" para o Estado Novo, pois em Angola a influência da PIDE era muito discreta e nem sabia que existia. Ouvia as canções do Zeca sem problemas e na tropa até parodiávamos com os nossos superiores cantando a "Ronda dos Paisanos" mas com letras nossas as quais já não me lembro.

O Cinema Chiloango estava apinhado de soldados. Eu sentei-me fardado na escadaria que dava acesso ao palco (houve algum descontentamento por parte dos militares tendo em conta que parte do Chiloango estava ocupado por civis e o espectáculo era para militares. Os civis estavam sentados nas cadeiras e os militares já não tinham lugar e ficaram sentados nas escadas ou de pé*).

Quem apresentou Zeca, Fausto e Adriano foi um antigo meu capitão que nos roubava o pré na recruta e passou a "revolucionário".

"Trova do Vento que Passa", "Os Vampiros" e tantas outras canções que ouvia no meu gravador passaram por aquele palco. Última canção... "Grândola, Vila Morena". Aqui o Zeca pediu para quem quisesse, subir ao palco para cantar com ele. Mal tinha acabado de dizer isto já eu estava com o meu braço enlaçado no dele.

*informação prestada posteriormente pelo camarada Fernando Correia que também assistiu ao espetáculo.


Cabinda - de 20 para 21 de janeiro de 1975.

"Hoje (ontem) houve um espectáculo com José Afonso, Rui Mingas e Adriano Correia de Oliveira (neste meu escrito não faço referência a Fausto, que também participou).

Fui assistir a esse espectáculo onde imperou um pouco de alegria, que fez com que não se notasse por aí além a má orientação do espectáculo.

Trouxe um pouco de calor, um pouco de desfasamento da vida quotidiana e viram-se artistas que só se conhecia através dos discos.

Fez por momentos esquecer a minha situação aqui na tropa e nas canções tipo balada, não houve nada que fosse novo. Somente um espectáculo pró razoável (contava com melhor) e nada mais."

Assim escrevi no ano longínquo de 1975 sobre o que tinha visto no Cinema Chiloango em Cabinda. Noto que digo que nada trouxe de novo, sinal que ouvia e muito tanto o Zeca como Adriano Correia de Oliveira, na altura o meu cantor preferido.


Esta foto é uma montagem. Exceto a dos três cantores (Zeca, Fausto e Adriano que é de uma foto tirada na Cidadela em Luanda onde eles atuaram a 25 de janeiro de 75, ou seja, 5 depois de terem estado em Cabinda), a outra é o cinema Chiloango do tempo em que eles lá estiveram, e eu com o camuflado (também em Cabinda), conforme estava vestido quando os vi atuar. Como o referi é uma montagem, só para relembrar que no dia 20 de janeiro de 1975, eu estava ali ao lado destes grandes cantores de intervenção.




Quadras Populares

Tudo Está Vazio e Morto


Um Menino Chamado Zeca

O Zeca em livro

Em Um Menino Chamado Zeca, José Jorge Letria conta-nos a história de Zeca Afonso, o autor e cantor de «Grândola, Vila Morena», a canção que viria a ser uma das senhas musicais da Revolução. Uma edição da Oficina do Livro, com ilustrações de Miguel Gabriel.

A Drummond de Andrade

(com a devida vénia)

Velho Drummond se te tivera
Junto de mim a esta hora
Em que o silêncio é uma ordem
E a solidão longa espera
Tu me prestaras teu verbo
Ou a tua mão estendida
Cheia dessa humanidade
Que alguma vez pressentira
Se alguma vez a entendera
Como agora

Lembrar-te Drummond amigo
Num território macabro
É como levares contigo
Um filho desnaturado

Poema escrito na prisão de Caxias

José Afonso - Textos e Canções
Assírio E Alvim
Abril de 1983


Ao Zé Letria que Também Sofre de Azia

("Bombons de todos os dias")

Estão livres de perigo os homens ocupados
Fora de tromboses e astenias
Assente nas ombreiras
Dos homens da rua
A cidade flutua
Mas há quem padeça ao vivo
De azia papéis selados
Bilhetes de lotaria
Bombons de todos os dias
Estão livres de perigo os homens fáceis
De gestos livres conta-corrente chaveiro
Gambrinos se houver dinheiro
Ó Portugal do meu lado
Para onde vais embarcado?

Poema escrito na prisão de Caxias

José Afonso - Textos e Canções
Assírio E Alvim
Abril de 1983


("Bombons de todos os dias" cantado pelo sobrinho João Afonso)

Programa da peça "Excepção e a Regra"

Beira - Moçambique - 1965

A "Excepção e a Regra" de Bertolt Brecht - A peça de teatro que a PIDE tentou mas não conseguiu proibir.

O programa onde se anunciavam canções inéditas de José Afonso

A mulher de Zeca, Zélia Afonso Santos, também entrou na peça fazendo de mulher do COOLIE (Coolie é um termo usado historicamente para designar trabalhadores braçais oriundos da Ásia, especialmente da China e da Índia, durante o século XIX e início do século XX.)

Fontes: wikipédia e "Livra-te do Medo" de José A. Salvador e AJA


"Venham mais cinco"

Como surgiu o "Venham mais cinco" - José Afonso - 1973

UM DISCO, CINCO DIRETAS

Zeca e Zélia Afonso, mais Mário Jorge Bonito e Jorge Luz, estavam na régie e ouviram todo o disco, de fio a pavio, dando o seu aval final às gravações que os tinham ocupado durante os dias anteriores.

“Está tudo bom?”, perguntou José Mário Branco. Assim que o “sim” pretendido chegou, o corpo cedeu, desabou sobre a mesa e ali ficou, imóvel. “Só não fui de ambulância para casa porque eles perceberam logo o que se tinha dado”, recorda hoje o músico escolhido por Zeca para dirigir os trabalhos de estúdio do seu sexto álbum na Orfeu, Venham Mais Cinco.

O que se tinha dado” é simples de explicar. Nos caminhos por vezes algo insondáveis da correspondência pré-25 de Abril, do material enviado por José Afonso a José Mário Branco para preparar o seu novo álbum, apenas as letras encontraram o caminho para a casa parisiense onde este morava na altura. As maquetas, os fundamentos melódicos e as ideias a partir das quais José Mário deveria começar a desenhar com antecedência os contornos concretos do disco nunca lhe bateram à porta. Até ao dia em que foi o próprio Zeca que, no lugar de umas gravações de trabalho, se apresentou perante José Mário para lhe apresentar as canções em carne viva. Faltava menos de uma semana para o calendário ditar o início do registo de Venham Mais Cinco."

O resto Aqui (onde se fala da prisão de Zeca em Caxias e outros motivos de interesse)

Ana Sofia Carvalheda entrevista o jornalista Gonçalo Frota autor deste texto - Antena 1

Sei Que Não Vens Bater-me à Porta

Sei que não vens bater-me à porta
Nem numa porta cabe o que é preciso
Perdi o gosto e o siso de saber-te morta
Hoje recebo a féria e o Paraíso


O que não foi desenha-me o futuro
- Nem Deus sabe -
De te saber esperando além do muro
Nem minha porta se abre

Só do postigo vejo a vinha
- Quem pisou meu campo cru?
Teu corpo que o adivinha
Teu corpo nu

Cantar de Novo – Zeca Afonso – Nova Realidade


Olhai o Nardo e a Cicuta

Olhai o nardo e a cicuta
Domadores
Em todos os trapos e bandeiras
Se edificam sonhos absurdos
E Impérios

Se os meus ossos te consentirem
Se os meus ombros se vergarem
Eu te darei a minha anuência
lúgubre
Como um silêncio sem fronteiras

- Homens que dobrariam cavalos
Se não dobrassem homens?
Que edificariam países e rios
Mas nem vontade mataram
A morte espera-vos
Na justiça dos tempos

Cantar de Novo – Zeca Afonso – Nova Realidade

Por Trás Daquela Janela

Canção de aniversário, dedicada por José Afonso a Alfredo Matos, quando se encontrava preso pela PIDE. No dia 25 de Abril de 1974, foi retirada rapidamente do baú das canções proibidas e passada largas vezes na rádio, como forma de encorajar os militares sublevados a libertar os presos políticos.

Daqui

Quadras Populares - Algarve

"Algarve, o que vejo agora?
Fazem de ti capoeira
Para pedires uma bica
Falas em língua estrangeira

Quando uma lancha se afunda
Nunca a culpa é do patrão
É sempre de quem se amola
Lá no fundo do porão

Esta terra será nossa
Quando houver revolução"

Foto: Zeca em Olhão

"Cantigas do Maio"


Título de uma entrevista de José Afonso a José Jorge Letria e publicado no Diário de Lisboa de 2 de Dezembro de 1971.

Para quem nunca o ouviu aqui fica o álbum completo:

Quadras Populares - Reforma Agrária

Ó agricultor do Norte
Desde o Minho até à Beira
É tua a Reforma Agrária
Queira o fascista ou não queira

O Norte é irmão do Sul
O Sul é irmão do Norte
Quando os filhos estão unidos
Portugal fica mais forte

Tira as patas do Alentejo
Ó Gê Nê Erre assassina
Que a terra que estás pisando
É terra de Catarina

Quadras Populares - Vida Cara

Vida cara, vida cara
Onde irá isto parar?
Pergunta a dona de casa
Sem ter com que se amanhar

É já miséria doirada
Ver comida boa e farta
E pagar uma fortuna
Por um quilo de batata

É já miséria revolta
Ver a loiça sobre a mesa
Quem fez o cabaz da fome,
Rouba, rouba concerteza

Tudo são palavras mansas
Tudo são palavras caras
Avança, meu povo, avança
Avança que já não páras

Quadras Populares, Lisboa, Ulmeiro

Caricatura de Rui Pimentel - 1994

Entrevista a uma TV espanhola

A MEIRIM

À sombra do que está
Há quem incline a cabeça
Há quem na vertical
Diga que sim não está mal
Minha tia era
Dessa razão
Dizia humilde contrita
Não subas
Ao parapeito de Judas
E o vendilhão era recto
Não pretendia ser mais
Que um funcionário correcto
Pois na Instrução
O César tinha razão
Só não tinha a tia dele
Verdade diga-se
E sede
Da pura apocalíptica
Depois quem lhe fez a cama
Foi um menino de mama

Poema escrito na prisão de Caxias

"Galinhas do Mato" - vídeo promocional

"Os índios da Meia-praia"

Zeca Afonso numa pequena reportagem

Eventos - Galícia

Dois eventos lembram a relação de José Afonso com Galícia no 25 aniversário da sua morte.

Em seu livro memorial Sonata de amigos (Gerais, 2008), Benecdito Garcia Villar relata como quatro antifranquistas galegos, entre os quais se contava ele próprio, viajaram em fevereiro de 1972 a Setúbal para conhecer José, Zeca, Afonso (Aveiro, 1929 - Setúbal, 1987). Nesse dia, explica, o cantor de Grândola Vila Morena "viu um oceano do outro lado da serra". Aquele teceu o primeiro dos fios que aderiram ao Zeca com Galícia. Esta teia de solidariedades, amigos e música é lembrada estes dias ao norte do Minho, quando fazem 40 anos de seu show em Compostela e um quarto de século de sua morte.

"O mais interessante é que os jovens de hoje, na Galícia, renova a ordem de José Afonso, escuta. Há cerca de 15 grupos que gravaram versões de seu cancioneiro ". Quem fala é Xico de Cariño, musicólogo, amigo do português e único membro galego da Associação José Afonso. Seu contato com o autor de Com as minhas tamanquinhas (1976) remonta ao ano de 71, em Paris. De Carinho estudava musicología na cidade enquanto o Zeca, acompanhado pelo arranjista, e em seguida, autor do totémico ser solidário (1982) - José Mário Branco, registrava um elepê emblemático, Cantigas de Maio. Bibiano, de Vozes livre, fez de ponte. "Por algumas semanas, em um festival antifascista e anticolonialista contra a ditadura de Salazar no Teatro da Mutualité", faz memória, "voltei falar com ele. Perguntei pelas músicas portuguesas e ele me disse que não sabia disso. Apresentou-me a Luis Cilia ".

Xico de Cariño trouxe ao Zeca Afonso no Festival dos Povos Ibéricos da Corunha, junto com Enrique Morente e Marina Rosell, em 1977 Nesse cenário subiu a tocar harmónica com ele. "Foi anedótico, mas lembro que esqueci a minha frase", ri. Amanhã (18.30 horas) participa de uma mesa redonda, junto com o ex-diretor de TVG Suso Iglesias e o vereador comunista de Valença do Minho Alípio Nunes, em homenágem a José Afonso que a Sociedade Cultural e Desportivo do Condado organiza em Salvaterra de Minho. Depois haverá jantar (prévia reserva) e show de repertório Afonsinas a cargo do grupo de outras MARGO e trasunto do Leo i Arremecághona dedicado às músicas militantes, o Leo de Matamá.

O cantor de "Grândola" traçou um diálogo cromático com outras músicas

"O que estou descobrindo a preparar a sua música é um letrista boísimo, de retrousos (não traduzível em português. Significa palavra ou expressão que se repete muitas vezes ao falar, por um hábito vicioso) redondos e que sabe se encaixar como ninguém", disse o Leo, "a tensão dramática do que canta a música". A produção de José Mário é peça central da estratégia cantora do Zeca, acrescenta: "sublinhava muito bem o seu talento". Obras como Venham mais cinco (1973) ou o forte Enquanto há Força (1978), arranjadas por Branco, encerram o diálogo cromático que o cantor português estabeleceu com músicas de aqui e ali: as tradições lusas, os ares do Brasil e, em gesto pioneiro que a anglocéntrica comunidade pop ainda não foi capaz de apreciar, a assunção de africanismos rítmicos e melódicos. E que o Leo arrimo, surpreendentemente, as práticas do antifolk americano do início do século XX: "Em Venham mais cinco burla a censura através do dadísmo, do humor surrealista".

"Seu ofício era o de músico", anota Xico de Cariño, "ele cantava por necessidade". Música popular, música lírica e música de intervenção foram os eixos estéticos do homem cujo Grândola ..., em princípio homenagem a uma associação operária da cidade de mesmo nome, funcionou como alerta para os militares esquerdistas que em 25 de abril acabaram com o regime salazarista . "Mas ele nunca falava de música", continua de carinho, "era um professor repressaliadas, que não gostava nada a parafernália da música. Só prestava o encontro com as pessoas que se produzia ao cantar ".

Além da indústria e dos modos pop, o músico militante, mas de estética vanguardista, um cantor avançado longe de estilemas formais conservadores, contribuía para a construção revolucionária de Abril. "Foi um artista ética e esteticamente intocável", diz o Leo, que arrisca uma analogia: "Como você pode ser Mini e Mero". A verdade é que a pegada sonora do Zeca em território galego é Estense. Uxia assim o atesta: "Influiu muito a partir de sua relação com Vozes livre; Portanto, como o clássico que é, ultrapassou todas as fronteiras espaciais e temporais ". Também com o Leo, o sobrinho de José Afonso, João Afonso, com Jorge Souto ou Quico Cadaval, Uxia será em 10 de maio no Auditório da Galícia em Janeiro no festival Terra da Fraternidade. A jornada comemorará as quatro décadas da estreia em público de Grândola Vila Morena. O que foi no Burgo das Nações da capital e apresentado pelo então estudante comunista Emilio Pérez Touriño. "Eu gosto da união magistral da música de autor e das músicas de raiz", resume Uxia, "e parece-me um poeta sublime".

A condição de clássico mostra, afinal, com a capacidade intempestiva da sua lírica -literaria e musical- para falar sobre a história que veio depois dele. Por exemplo, esses tempos: "O que você FAZ falta é acordar a malta, o que FAZ falta"

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